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MAOMÉ E O ISLAMISMO III

(Autor: Allan Kardec - Revista Espírita de 1866) 

    

     Foi em Medina que Maomé mandou construir a primeira mesquita, na qual trabalhou com as próprias mãos e organizou um culto regular. Aí pregou pela primeira vez em 623. Todas as medidas tomadas por ele testemunhavam a sua solicitude e a sua previdência: "Um traço característico, ao mesmo tempo, do homem e de seu tempo", diz o Sr. Barthtélemy Saint-Hilaire, "é a escolha feita por Maomé de três poetas de Medina, oficialmente encarregados de o defender contra as sátiras dos poetas de Meca. Provavelmente não que nele o amor-próprio fosse mais  excitável do que convinha; mas, numa nação espirituosa e viva, esses ataques tinham uma repercussão análoga a que em nossos dias, podem ter os jornais e eles eram muito perigosos."

     Dissemos que Maomé foi constrangido a fazer-se guerreiro. Com efeito, ele absolutamente não era de humor belicoso, como o havia provado nos primeiros cinquenta anos de sua existência. Ora, decorridos apenas dois anos de sua residência em Medina, e os Coraychitas de Meca, coligados com as outras tribos hostis, vieram sitiar a cidade. Maomé teve que se defender; desde então começou para ele um período guerreiro, que durou dez anos e durante o qual se mostrou, sobre todo um tático hábil. Num povo em que a guerra era o estado normal, que só conhecia o direito da força, ao chefe da nova religião era necessário o prestígio da vitória para firmar a sua autoridade, mesmo sobre os seus partidários. A persuasão tinha pouco domínio sobre  essas populações ignorantes e turbulentas; uma grande mansuetude teria sido tomada como fraqueza. Em seu pensamento, o Deus forte não podia manifestar-se senão por um homem forte e o Cristo, com a sua inalterável doçura, teria fracassado nessas regiões.      

     Maomé foi, pois, guerreiro pela força de circunstâncias, muito mais que por seu caráter, e terá sempre o mérito de não ter sido o provocador. Uma vez iniciada a luta, tinha que vencer ou morrer; só com esta condição poderia ser aceito como o enviado de Deus; era preciso que os seus inimigos fossem destroçados para se convencerem da superioridade de seu Deus sobre os ídolos que adoravam; com a exceção de um dos primeiros combates, onde foi ferido e os muçulmanos derrotados em 625, suas armas foram constantemente vitoriosas e, no espaço de alguns anos, submeteu a Arábia inteira à sua lei. Quando viu sua autoridade assentada e a idolatria destruída, entrou triunfalmente em Meca, após dez anos de exílio, seguido por perto de cem mil peregrinos e aí realizou a célebre peregrinação dita  do adeus, cujos ritos os muçulmanos conservavam escrupulosamente. Morreu no mesmo ano, dois meses depois de seu regresso a Medina, a 8 de junho de 632, aos sessenta e dois anos de idade.

     Há que julgar-se Maomé pela história autêntica e imparcial e não segundo as legendas ridículas, que a ignorância e o fanatismo espalharam por sua conta ou as decisões feitas pelos que tinham interesse em o desacreditar, apresentado-o como um ambicioso sanguinário e cruel. Também não se deve torná-lo  responsável pelos excessos de seus sucessores, que quiseram conquistar o mundo para a fé muçulmana de espada em punho. Sem dúvida houve grandes manchas no último período de sua vida; ele pode ser censurado por ter abusado, nalgumas circunstâncias, do direito de vencedor e de nem sempre ter agido com toda a moderação necessária. Entretanto, ao lado de alguns atos que a nossa civilização reprova, é preciso dizer, em seu favor, que muitíssimas vezes ele se mostrou muito mais humano e clemente para com os inimigos do que vingativo e que muitas vezes deu provas de verdadeira grandeza de alma. Há que reconhecer, também, que mesmo em meio aos seus sucessos e quando havia chegado ao topo de sua glória, até o seu último dia fechou-se no seu papel de profeta, sem jamais usurpar uma autoridade temporal despótica. Nem se fez rei, nem potentado e jamais, na sua vida privada, não se manchou por nenhum ato de barbárie, nem de caixa cupidez. Sempre viveu simplesmente, sem fausto e sem luxo, mostrando-se bom e benevolente para com todos. Isto é a história.

     Se nos referirmos ao tempo e ao meio em que vivia; se considerarmos sobretudo as perseguições de que ele e os seus foram vítimas, o encarniçamento dos seus inimigos e os atos de barbárie que estes cometeram contra os seus partidários, é possível que nos admiremos que na ebriedade da vitória, por vezes tenha empregado represálias? Pode-se chegar a o censurar por ter estabelecido a sua religião pelo ferro, num povo bárbaro, que o combatia, quando a Bíblia registra, como fatos gloriosos para a fé, carniçarias de tal atrocidade que se é tentado a tomá-las como lendas? Quando, mil anos depois dele, nas regiões civilizadas do ocidente, cristãos, que tinha por guia a sublime lei do Cristo, atirando-se sobre vítimas pacíficas, extinguiam as heresias pelas fogueiras, as torturas, os massacres e em ondas de sangue?

     Se o papel guerreiro de Maomé lhe foi uma necessidade, e se esse papel pode escusá-lo de certos atos políticos, o mesmo não se dá com outros aspectos. Até a idade de cinquenta anos e enquanto viveu sua primeira esposa Khadidja, quinze anos mais velha que ele, seus costumes foram irreprocháveis; mas desde esse momento suas paixões não conheceram freios e foi, incontestavelmente, para justificar abuso que delas fez, que consagrou a poligamia na sua religião. Foi o seu mais grave erro, porque foi uma barreira que elevou entre o islamismo e o mundo civilizado. Assim, sua religião, após doze séculos, não pode transpor os limites de certas raças. É, também, o lado pelo qual o seu fundador mais se rebaixa aos nossos olhos. Os homens de gênio perdem sempre o seu prestígio quando se deixam dominar pela matéria; ao contrário, crescem tanto mais quanto mais se elevam acima das fraquezas da humanidade.

     Contudo, o desregramento dos costumes era tal na época de Maomé, que uma reforma radical era muito difícil em homens habituados a se entregar às suas paixões com uma brutalidade bestial. Pode, pois, dizer-se que, regulamentando a poligamia, pôs limites à desordem e conteve os mais graves abusos. Mas a poligamia é contrária às leis da natureza. Pela igualdade numérica dos sexos, a própria natureza traçou os limites das uniões. Permitindo quatro mulheres legítimas, Maomé não pensou que, para que sua lei se tornasse a da universalidade dos homens, era preciso que o sexo feminino fosse ao menos quatro vezes mais numeroso que o masculino.

     Mau grado as suas imperfeições, o Islamismo não deixou de ser um grande benefício para a época em que apareceu e para o país onde surgiu, porque fundou o culto da unidade de Deus sobre as ruínas da idolatria. Era a única religião possível para esses povos bárbaros, aos quais não era preciso pedir grandes sacrifícios às suas ideias e costumes. Era-lhes necessário algo de simples como a natureza, em cujo meio viviam; a religião cristã tinha muitas sutilezas metafísicas; assim, todas as tentativas feitas durante cinco séculos para a implantar nessas regiões, tinham falhado completamente; o próprio judaísmo, pouco discutidor, tinha feito poucos prosélitos entre os árabes, posto os judeus propriamente ditos, aí fossem bastante numerosos. Superior aos de sua raça, Maomé tinha compreendido os homens de seu tempo; para os arrancar do rebaixamento em que os mantinham grosseiras crenças, descidas a um estúpido fetichismo, deu-lhes uma religião apropriada às suas necessidades e ao seu caráter. Essa religião era a mais simples de todas: "Crença num Deus único, onipotente, eterno, infinito, presente em toda a parte, clemente, misericordioso, criador dos céus, dos anjos e da Terra, Pai do homem, sobre ao qual vela e o cumula de bens; remunerador e vingador numa outra vida, onde nos espera para nos recompensar ou castigar, conforme os nossos méritos. Vendo nossas ações mais secretas e presidindo ao destino inteiro de suas criaturas, que não abandona um só instante, nem neste mundo, nem no outro; submissão a mais humilde e confiança absoluta em sua vontade santa". Eis os dogmas:

     Quanto ao culto, consiste na prece, repetida cinco vezes por dia, os jejuns e as mortificações do mês de rhamadan e em certas práticas, das quais diversas tinham um fim higiênico, mas de que Maomé fez uma obrigação religiosa, tais como as abluções diárias, a abstenção do vinho, das bebidas inebriantes, da carne de certos animais e que os fiéis consideram um caso de consciência observar nos mais minuciosos detalhes. A sexta-feira foi adotada como o dia santo da semana e Meca indicada como o ponto para o qual todo muçulmano deve voltar-se ao orar. O serviço público nas mesquitas consiste em preces em comum, sermões, leitura e explicação do Alcorão. A circuncisão, não foi instituída por Maomé, mas por ele conservada: era praticada entre os árabes desde tempos imemoriais. A proibição de reproduzir pela pintura ou escultura qualquer ser vivo, homens e animais, foi feita visando destruir a idolatria, e impedir que ela se renovasse. Enfim, a peregrinação a Meca, que todo fiel deve realizar ao menos uma vez na vida, é um ato religioso; mas tinha um outro objetivo na época, um objetivo político, o de aproximar, por um laço fraternal, as diversas tribos inimigas, reunindo-as num comum sentimento de piedade, num mesmo lugar consagrado.

     Do ponto de vista histórico, a religião muçulmana admite o Antigo Testamento por inteiro, até Jesus-Cristo inclusive, o qual reconheceu como profeta. Segundo Maomé, Moisés e Jesus eram enviados de Deus para ensinar a verdade aos homens; como a lei do Sinai, o Evangelho é a palavra de Deus; mas os cristãos alteraram o seu sentido. Declara, em termos explícitos que não traz crenças novas, nem culto novo, mas que vem restabelecer o culto do Deus único, professado por Abraão. Só fala com respeito dos patriarcas e dos profetas que o precederam: Moisés, David, Isaias, Ezequiel e Jesus-Cristo; do Pentateuco, dos Salmos e do Evangelho. São os livros que precederam e prepararam o Alcorão. Longe de ocultar os empréstimos que lhes faz, disto se gaba, e a grandeza deles é o fundamento da sua. Pode julgar-se de seus sentimentos e do caráter de suas instruções pelo fragmento seguinte do último discurso que pronunciou em Meca, quando da peregrinação do adeus, pouco antes de sua morte, e conservado na obra de Ibn-Ishâc e de Ibsn-Ishâm:

     "Ó povos! escutai minhas palavras, pois não sei se, em outro ano, poderei encontrar-me ainda convosco neste lugar. Sede humanos e justos entre vós. Que a vida e a propriedade de cada um sejam invioláveis e sagradas para os outros; que aquele que recebeu um depósito o devolva fielmente àquele que o confiou. Aparecereis diante do Senhor e ele vos pedirá contas de vossas ações. Tratai bem as mulheres; elas são vossas auxiliares e nada podem por si sós. Vós as tomastes como um bem que Deus vos confiou e delas tomastes posse por palavras divinas.

     "Ó povos! escutai minhas palavras e fixai-as em vosso espírito. Eu vos revelei tudo; deixo-vos uma lei que vos preservará para sempre do erro, se a ela ficardes ligados fielmente; uma lei clara e positiva, o livro de Deus e o exemplo de seu profeta.

     "Ó povos! escutai minhas palavras e fixai-as em vosso espírito. Sabei que todo muçulmano é o irmão do outro; que todos os muçulmanos são irmãos entre si, que sois todos iguais entre vós e que sois apenas uma família de irmãos. Guardai-vos da injustiça; ninguém deve cometê-la em detrimento de seu irmão: ela arrastará a vossa perda eterna.

     "Ó Deus! desempenhei minha mensagem e terminei minha missão? - A multidão que o rodeava respondeu: "Sim, tu a cumpriste." E Maomé exclamou: Ó Deus, digna-te receber este testemunho!"

     Eis agora o julgamento de Maomé e da influência de sua doutrina, feito por um de seus historiógrafos, o Sr. G. Weil, em sua obra alemã intitulada Mohammet der Prophet, às páginas 400 e seguintes:

     "A doutrina de Deus e dos santos destinos do homem, pregada por Maomé num país que estava entregue à mais brutal idolatria, e que tinha apenas uma ideia da imortalidade da alma, tanto mais nos deve reconciliar com ele, a despeito de suas fraquezas e de seus erros, quanto sua vida particular não podia exercer sobre os seus aderentes nenhuma influência perniciosa. Longe de se dar jamais por modelo, ele queria sempre que o olhassem como um ser privilegiado, a quem Deus permitia por-se acima da lei comum. E de fato, ele foi cada vez mais considerado sob esse aspecto especial.

     "Seríamos injustos e cegos se não reconhecêssemos que seu povo lhe deve ainda outra coisa de verdadeiro e de bom. Ele reuniu numa só grande nação, crente fraternalmente em Deus, as inumeráveis tribos árabes, até então inimigas entre si. Em lugar do mais violento arbítrio, do direito da força e da luta individual, ele estabeleceu um direito inquebrantável que, mau grado suas imperfeições, forma sempre a base de todas as leis do islamismo. Limitou a vingança de sangue que, antes dele se estendia até aos parentes mais remotos e a limitou àquele que os juízes reconhecessem por assassino. Mereceu bem sobretudo do belo sexo, não só protegendo as filhas contra o atroz costume que muitas vezes as imolavam por seus pais. Mas, além disso, protegendo as mulheres contra os parentes de seus maridos, que as herdavam como coisas materiais, protegendo-as contra os maus tratos dos homens. Restringiu a poligamia, não permitindo aos crentes senão quatro esposas legítimas, em vez  de dez, como era uso, sobretudo em Medina. Sem ter libertado inteiramente os escravos, foi bom e útil para eles de várias maneiras. Para os pobres, não só recomendou sempre a beneficência para com eles, mas estabeleceu formalmente um imposto em seu favor e lhes concedeu um parte especial no saque e no tributo. Proibindo o jogo, o vinho e todas as bebidas inebriantes, preveniu muitos vícios, excessos e querelas, e muitas desordens.

     "Posto não consideremos Maomé como um verdadeiro profeta, porque empregou para propagar sua religião meios violentes e impuros, porque ele próprio foi muito fraco para se submeter à lei comum, e porque se dizia o selo dos profetas, declarando que Deus sempre podia substituir o que ele havia dado por algo de melhor, não obstante tem o mérito de ter feito penetrar as mais belas doutrinas do Velho e do Novo Testamento num povo que não era esclarecido por nenhum raio da fé e, a esse título, deve parecer, mesmo aos olhos não maometanos, como um enviado de Deus."

     Como complemento deste estudo, citaremos algumas passagens textuais do Alcorão, tiradas da tradução de Savary:

     Em nome de Deus clemente e misericordioso. - Louvor a Deus, soberano dos mundos. - A misericórdia é a sua partilha. - Ele é o rei no dia do juízo. - Nós te adoramos, Senhor, e imploramos a tua assistência. - Dirige-nos no caminho da salvação, - no caminho dos que cumulaste com os teus benefícios; dos que não mereceram a tua cólera e se preservaram do erro. (Introdução, Surata I).

     Ó mortais, adorais o Senhor que vos criou, vós e os vossos pais, a fim de que o temais; que vos deu a terra por leito e o céu por teto; que fez descer a chuva dos céus para produzir todos os frutos de que vos alimentais. Não deis sócio ao Altíssimo; vós o sabeis. (Surata II, v. 19 e 20).

     Por que não credes em Deus? Estáveis mortos, ele vos deu a vida; ele extinguirá vossos dias e lhes acenderá o facho. Voltareis a ele. - Ele criou para vosso refúgio tudo o que há sobre a terra. Voltando depois seu olhar para o firmamento, formou os sete céus. É ele cuja ciência abarca o universo. (Surata II, v. 26 e 27).

   O Oriente e o Ocidente pertencem a Deus; para qualquer lugar que se voltem vossos olhos, reconhecereis a sua face. Ele enche o universo com a sua imensidade e com a sua ciência. - Ele formou a Terra e os céus. Quer produzir qualquer obra? diz: "Seja feita"; e a aobra está feita. - Os ignorantes dizem: "Se Deus não nos fala e se não nos fazes ver um milagre, não cremos." assim falavam seus pais; seus corações são semelhantes. Fizemos brilhar bastantes prodígios para os que têm fé. (Surata II, v. 109 a 112).

     Deus não exigirá de cada um de nós senão conforme as suas forças. Cada um terá em seu favor as boas obras e contra si o mal que houver feito. Senhor, não nos castigues por faltas cometidas por esquecimento. Perdoa os nossos pecados; não nos imponhas o fardo que carregaram os nossos pais. Não nos carregues além de nossas forças. Faze brilhar para os teus servos o perdão e a indulgência. Tem compaixão de nós; és o nosso socorro. Ajuda-nos contra as nações infiéis. (Surata, v. 286).

     Ó Deus, rei supremo, dás e tiras à vontade as coroas e o poder. Elevas a rebaixas os humanos à tua vontade; o bem está em tuas mãos; tu és o Onipotente. - Mudas o dia em noite e a noite em dia. Fazes sair a vida do seio da morte e a morte do seio da vida. Derramas teus tesouros infinitos sobre quem te apraz. (Surata III, v. 25 e 26).

     Ignorais quantos povos dizemos desaparecer da face da Terra? Nós lhes havíamos dado um império mais estável que o vosso. Mandávamos as nuvens a derramar a chuva sobre os seus campos; aí fazíamos correrem os rios. Só os seus crimes causaram a sua ruína. Nós os substituímos por outras nações. (Surata VI, v. 6).

     É a Deus que deveis o sono da noite e o despertar da manhã. Ele sabe o que fazeis durante o dia. Ele vos deixa realizar o curso da vida. Reaparecereis perante ele e ele vos mostrará as vossas obras. - Ele domina os seus servos. Ele vos dá como guardas anjos encarregados de terminar vossos dias no momento prescrito. Eles executam cuidadosamente a ordem do céu. - Voltareis em seguida diante do Deus da verdade. Não é a ele que pertence julgar? Ele é o mais exato dos juízes. - Quem vos livra das tribulações da terra e dos mares, quando, invocando-o em público ou no secreto do coração, exclamais: "Senhor, se de nós afastas estes males, nós te seremos reconhecidos?" - É Deus quem deles vos livra. É sua bondade que vos alivia de pena que vos oprime; e depois voltais à idolatria. (Surata VI, v. 60 a 64).

     Todos os segredos são desvelados aos seus olhos; é grande o Altíssimo. - Aquele que fala em segredo, aquele que fala em público, o que se envolve nas sombras da noite e o que aparece à luz do dia, lhes são igualmente conhecidos. - É ele quem faz brilhar o raio aos vossos olhos, para vos inspirar medo e esperança. É ele quem eleva as nuvens carregadas de chuva. - O trovão celebra seus louvores. Os anjos tremem em sua presença. Ele lança o raio e este fere as vítimas marcadas. Os homens discutem sobre Deus, mas ele é o forte e o poderoso. - Ele é a invocação da verdade. Os que imploram a outros deuses não serão exalçados. Assemelham-se ao viajante que, premido pela sede, estende a mão para a água que não pode alcançar. A invocação dos infiéis se perde na noite do erro. (Surata XIII, v. 10 a 15).

     Jamais digas: "Farei isto amanhã", sem acrescentar: se for a vontade de Deus". Eleva a ele o teu pensamento, quando tiveres esquecido alguma coisa,e dize: "Talvez ele me esclareça e me faça conhecer a verdade. (Surata XVIII, v. 23).

     Se as ondas do mar se mudassem em tinta, para descrever os louvores do Senhor, seriam esgotadas antes de haver celebrado todas as suas maravilhas. Um outro oceano semelhante ainda não bastaria. (Surata XVIII, v. 109).

     Aquele que busca a verdadeira grandeza a encontra em Deus, fonte de todas as perfeições. Os discursos virtuosos sobem ao seu trono. Ele exalta as boas obras; pune rigorosamente o celerado que trama perfídias.

     Não o céu jamais anula o decreto que ele pronuncia. - Não percorreram a terra? não viram que ela foi o fim deplorável dos povos que, antes deles, marcharam no caminho da iniquidade? Esses povos eram mais fortes e mais poderosos do que eles. Mas nada no céu e na terra pode opor-se às vontades do Altíssimo. A ciência e a força são seus atributos. - Se Deus punisse os homens desde o instante em que se tornam culpados, não restaria na terra um ser animado. Ele difere os castigos até o termo marcado. - Quando chegar o tempo, ele distingue as ações de seus servidores. (Surata XXXV, v. 11, 41 e 45).

     Estas citações bastam para mostrar o profundo sentimento de piedade que animava Maomé e a ideia grande e sublime que fazia de Deus. O cristianismo poderia reivindicar este quadro.

     Maomé não ensinou o dogma da fatalidade absoluta, como pensam geralmente. Esta crença, de que estão imbuídos os muçulmanos, e que paralisa sua iniciativa em muitas circunstâncias, não passa de uma falsa interpretação e uma falsa aplicação do princípio da submissão à vontade de Deus, levado além dos limites racionais; não compreendem que esta submissão não exclui o exercício das faculdades do homem, e lhes falta como corretivo a máxima: Ajuda-te e o céu te ajudará.

     As passagens seguintes tratam de pontos particulares da doutrina.

     Deus tem um filho, dizem os cristãos. Longe dele esta blasfêmia! Tudo o que está no céu e na terra lhe pertence. Todos os seres obedecem à sua voz. (Surata II, v. 110).

     Ó vós que recebestes as escrituras, não ultrapasseis os limites da fé; não digais de Deus senão a verdade. Jesus é filho de Maria, enviado do Altíssimo e o seu Verbo. Ele o fez descer no seio de Maria; é o seu sopro. Crede em Deus e nos apóstolos; mas não digais que há uma trindade em Deus. Ele é uno; esta crença vos será mais segura. Longe de ter um filho, ele governa só o céu e a terra; ele se basta a si mesmo. - O Messias não corará por ser o servo de Deus, assim como os anjos que rodeiam o seu trono e lhe obedecem. (Surata IV, v. 169, 170).

     Os que sustentam a trindade de Deus são blasfemos; há apenas um só Deus. Se não mudarem de crença, um doloroso suplício será o prêmio de sua impiedade. (Surata V, v. 77).

     Os judeus dizem que Ozaï é o filho de Deus. Os cristãos dizem o mesmo do Messias. Falam como os infiéis que os precederam. O céu punirá suas blasfêmias. - Eles chamam senhores aos seus pontífices, seus monges, e o Messias filho de Maria. Mas lhes é recomendado servir a um só Deus: não há outro. Anátema sobre os que associam ao seu culto. (Surata IX, 30, 31).

    Deus não tem filhos; não partilha o império com outro Deus. Se assim fosse, cada um deles quereria apropriar-se de sua criação e elevar-se acima de seu rival. Louvor ao Altíssimo! Longe dele essas blasfêmias! (surata XXII, v. 93).

     Declara, ó Maomé, que o céu te revelou. - A assembleia dos gênios, tendo escutado a leitura do Alcorão, exclamou: "Eis uma doutrina maravilhosa. - Ela conduz à verdadeira fé. Nós cremos nela e não damos um igual a Deus. - Glória à sua majestade suprema! Deus não tem esposa; ele não gerou." (Surata LXXII, v. 1 a 4).

     Dizei: "Cremos em Deus, no livro que nos enviou, no que foi revelado a Abraão, Ismael, Isaac, Jacob e às doze tribos. Cremos na doutrina de Moisés, de Jesus e dos profetas; não fazemos nenhuma diferença entre eles e somos muçulmanos." (Surata II, v. 130).

     Não há Deus senão o Deus vivo e eterno. - Ele te enviou o livro que encerra a verdade, para confirmar a verdade das escrituras que o precederam. Antes dele, fez descer o Pentateuco e o Evangelho, para servirem de guias aos homens; enviou o Alcorão dos céus. - Os que negarem a doutrina divina só devem esperar suplícios; Deus é poderoso e a vingança está em suas mãos. (Surata III, v. 1 a 3).

     Há os que dizem: "juramos a Deus não crer em nenhum outro profeta, a menos que a oferenda que ele apresenta não seja confirmada pelo fogo do céu." Responde-lhes: "Tínheis profetas antes de mim; operaram milagres e aquele mesmo de que falais. Porque então manchastes as vossas mãos com seu sangue, se dizeis a verdade? - Se negam a tua missão, trataram do mesmo modo os apóstolos que te precederam posto fossem dotados do dom dos milagres e tivessem trazido o livro que esclarece (o Evangelho) e o livro dos salmos. (Surata III, v. 179 a 181).

     Em muitas outras passagens Maomé fala no mesmo sentido e com o mesmo respeito dos profetas, de Jesus e do Evangelho. Mas é evidente que se equivocou quanto ao sentido ligado à Trindade e a qualidade de filho de Deus, que toma ao pé da letra. Se esse mistério é incompreensível para tantos cristãos e se entre estes provocou tantos comentários e controvérsias, não é de admirar que Maomé não o tenha compreendido. Nas três pessoas da Trindade ele viu três deuses e não um só Deus e três pessoas distintas; no filho de Deus ele viu uma procriação. Ora, a ideia que ele fazia do Ser Supremo era tão grande que  a menor paridade entre Deus e um ser qualquer e a ideia de que pudesse partilhar o seu poder lhe parecia uma blasfêmia. Não se tendo Jesus jamais apresentado como Deus e não tendo falado da Trindade, esses dogmas lhe pareceram uma derrogação das próprias palavras do Cristo. Ele viu em Jesus e no Evangelho a confirmação do princípio da unidade de Deus, objetivo que ele próprio buscava.Eis porque os tinha em grande estima ao passo que acusava os cristãos por ser haverem afastado deste ensinamento, fracionando Deus e deificando o seu messias. Assim se diz enviado depois de Jesus, para reconduzir os homens à unidade pura da divindade. Toda a parte a cada passo.

     Tendo o islamismo as suas raízes no Antigo e no Novo Testamento, é uma derivação. Pode ser considerado como uma das numerosas seitas nascidas das dissidências que surgiram desde a origem do Cristianismo, tocante à natureza do Cristo, com a diferença que o Islamismo, formado fora do Cristianismo, sobreviveu à maioria dessas seitas e conta hoje cem milhões de sectários.

     Maomé vinha combater a todo o custo, na sua própria nação, a crença em vários deuses, para aí estabelecer o culto abandonado do Deus único de Abrahão e de Moisés; o anátema que lançou sobre os infiéis e os ímpios sobretudo tendo por objetivo a grosseira idolatria professada pelos da sua raça, mas de contragolpe feria os Cristãos. Tal a causa do desprezo dos Muçulmanos por tudo quanto leva o nome de cristão mau grado seu respeito por Jesus e pelo Evangelho. Esse desprezo transformou-se em ódio, sob a influência do fanatismo alimentado e estimulado por seus sacerdotes. Digamos, também, que por seu lado, os cristãos não estão isentos de censuras e que eles próprios alimentaram antagonismo por suas próprias agressões.

     Posto que censurando os Cristãos, Maomé não tinha por eles sentimentos hostis e no próprio Alcorão recomenda habilidade para com eles, mas o fanatismo os englobou na proscrição geral dos idólatras e dos infiéis, cuja presença não deve manchar os santuários do Islamismo, razão por que a entrada nas mesquitas, em Meca e nos lugares santos lhes é interdita. Deu-se o mesmo em relação aos Judeus, e se Maomé os castigou rudemente em Medina, foi por se haverem coligado contra eles. Aliás, em parte alguma no Alcorão se encontra a exterminação dos Judeus e dos Cristãos erigida em dever, como geralmente se pensa. Seria, pois, injusto imputar-lhe os males causados pelo zelo pouco inteligente e os excessos de seus sucessores.

     Nós te inspiramos que abraçasses a religião de Abraão, que reconhece a unidade de Deus e que só adora a sua majestade suprema. - Emprega a voz da sabedoria e a força de persuasão para chamar os homens a Deus. Combate com as armas da eloquência. Deus conhece perfeitamente os que estão transviados e os que marcham ao facho da fé. (Surata XVI, v. 124, 126).

     Se te acusarem de impostura, responde-lhes: "Tenho por mim as minhas obras; que as vossas falem em vosso favor. Não sereis responsáveis pelo que faço e eu sou inocente pelo que fazeis." (Surata X, v. 42).

     Quando se cumprirão tuas ameaças? perguntam os infiéis. Marca-nos um termo, se és verdadeiro. Responde-lhes: "Os tesouros e as vinganças celestes não estão em minhas mãos; só Deus é o seu dispensador. Cada nação tem o seu termo fixado; ela não poderia apressá-lo ou retardá-lo um instante." (Surata X, v. 49 e 50).

     Se negam a tua doutrina, sabe que os profetas vindos antes de ti sofreram a mesma sorte, posto que os milagres, a tradição e o livro que esclarece (o Evangelho) atestam a verdade de sua missão. (Surata XXXV, v. 23).

     A cegueira dos infiéis te surpreende e eles riem de tua admiração.- Em vão querer instruí-los; seu coração repele o ensino. - Se vissem milagres, zombariam: atribuí-los-iam à magia. (Surata XXXVII, v. 12 a 15).

     Estas não são ordens de um Deus sanguinário, que ordena o extermínio. Maomé não se faz o executor de sua justiça; seu papel é o de instruir. Só a Deus pertence castigar ou recompensar neste e no outro mundo. O último parágrafo parece escrito para os Espíritas de nossos dias, tanto são os homens os mesmos, sempre e por toda a parte.

     Fazei prece, dai esmolas; o bem que fizerdes encontrareis junto a Deus, pois ele vê as vossas ações. (Surata II, v. 104).

     Para ser justificado não basta virar o rosto para o oriente e para o ocidente; ainda é preciso crer em Deus, no juízo final, nos anjos, no Alcorão, nos profetas. É preciso pelo amor de Deus socorrer o próximo, os órfãos, os pobres, os viajantes, os cativos e os que demandam. É preciso fazer a prece, guardar as promessas, suportar pacientemente a adversidade e os males da guerra. Tais são os deveres dos verdadeiros crentes. (Surata II, v. 172).

     Uma palavra honesta e perdão das ofensas são preferíveis à esmola que fosse sequência da injustiça. Deus é rico e clemente. (Surata II, v. 265).

     Se vosso devedor tem dificuldade em vos pagar, perdoai-lhe o tempo; ou se quiserdes fazer melhor, perdoai-lhe a dívida. Se soubésseis! (Surata II, v. 280).

     A vingança deve ser proporcional à injúria; mas o homem generoso que perdoa tem sua recompensa assegurada junto a Deus, que odeia a violência. (Surata, XLII, v. 38).

     Combatei vossos inimigos na guerra empreendida pela religião, mas não ataqueis primeiro; Deus odeia os agressores. (Surata II, v. 186).

     Certamente os Muçulmanos, os Judeus, os Cristãos e os Sabeistas, que creem em Deus e no Juízo final, e que fizeram o bem, receberão a recompensa de suas mãos; estarão isentos do medo e dos suplícios. (Surata V, v. 73).

     Não façais violência aos homens por causa de sua fé. A via da salvação é bem distinta do caminho do erro. O que abjurar o culto dos ídolos pela religião santa terá pegado uma coluna inquebrantável. O Senhor sabe e ouve tudo. (Surata I, V. 257).

     Não discutais com os Judeus e os Cristãos senão em termos honestos e moderados. Entre eles confundi os ímpios: Dizei: Nãos cremos no livro que nos foi revelado e em vossas escrituras. Nosso Deus e o vosso são apenas um. Somos muçulmanos. (Surata XXIX, v. 45).

     Os Cristãos serão julgados segundo o Evangelho; os que os julgarem de outro modo serão prevaricadores. (Surata V, v. 51).

     Nós demos o Pentateuco a Moisés. É à sua luz que deve marchar o povo hebreu. Não duvides de encontrar no céu o guia dos Israelitas. (Surata XXXII, v. 23).

     Se os judeus tivessem fé e temor ao Senhor, nós apagaríamos os seus pecados; introduzi-los-íamos no jardim das delícias. A observação do Pentateuco, do Evangelho e dos preceitos divinos proporcionar-lhes-ia o gozo de todos os bens. Há entre eles os que seguem o bom caminho, mas em maioria são ímpios. (Surata V, v. 70).

     Dize aos judeus e aos cristãos: "Terminemos nossas diferenças; não admitamos senão um Deus e não lhe demos um igual; que nenhum de nós tenha outro Senhor senão ele." Se recusarem obedecer, dize-lhes: "Pelo menos dareis testemunho que, quanto a nós, somos crentes. (Surata III, v. 57).

     Eis certas máximas de caridade e de tolerância, que gostaríamos de ver em todos os corações cristãos!

     Nós te enviamos a um povo, que outros povos precederam, para que lhe ensines as nossas revelações. Eles não creem nos misericordiosos. Dize-lhes: "É o meu Senhor; não há Deus senão ele. Pus minha confiança em sua bondade. Aparecerei diante de seu tribunal. (Surata XIII, v. 29).

     Trouxemos aos homens um livro no qual brilha a ciência que deve esclarecer os fiéis e lhes proporcionar a misericórdia divina. - Esperam eles a realização do Alcorão? No dia em que for cumprido os que tiverem vivido no esquecimento de suas máximas, dirão: "Os ministros do Senhor nos pregavam a verdade. Onde encontraremos agora intercessores? Que esperança temos de voltar à terra para nos corrigirmos? Eles perderam a alma e suas ilusões se desvaneceram. (Surata VII, v. 50, 51).

     O vocábulo voltar implica a ideia de já ter aparecido, isto é, de ter vivido antes da existência atual. Aliás Maomé o expressa muito bem quando diz: "Reaparecereis diante deles e ele vos mostrará as vossas obras. Voltareis ante o Deus de Verdade." É o fundo da doutrina da pré-existência da alma, ao passo que, segundo a Igreja, a alma é criada ao nascer de cada corpo. A pluralidade das existências terrenas não está indicada no Alcorão de maneira tão explícita quanto no Evangelho; entretanto a ideia de reviver na terra entrou no pensamento de Maomé, pois tal seria, segundo ele, o desejo dos culpados de se corrigir. Assim ele compreendeu que seria útil poder recomeçar uma nova existência.

     Quando se lhes pergunta: Credes no que Deus enviou do céu? Eles respondem: "Cremos nas Escrituras que recebemos." E repelem o livro verdadeiro, vindo depois, para por o selo em seus livros sagrados. Dize-lhes: "Porque matastes os profetas se tínheis fé?" (Surata II, V. 85).

     Maomé não o pai de nenhum de vós. É o enviado de Deus e o selo dos profetas. A ciência de Deus é infinita. (Surata XXXIII, v. 40).

     Dando-se como o selo dos profetas, Maomé anuncia que é o último, a conclusão, porque disse toda a verdade;depois dele não virão outros. É um artigo de fé entre os Muçulmanos. Do ponto de vista exclusivamente religioso, caiu no erro de todas as religiões que se julgam inamovíveis, mesmo contra o progresso das ciências; mas para ele quase não há necessidade, a fim de afirmar a autoridade de sua palavra, num povo que lhe havia dado tanto trabalho sem converter à sua fé. Do ponto de vista social era um erro, porque o Alcorão, tanto como legislação civil, quanto religiosa, pôs um ponto de parada no progresso. Tal a causa que tornou, e tornará ainda por tanto tempo, os povos muçulmanos estacionários, e refratários às inovações e às reformas que não se acham no Alcorão. É um exemplo do inconveniente que há em confundir o que deve ser distinto. Maomé não levou em conta o progresso humano. É um erro comum a quase todos os reformadores religiosos. Por outro lado, havia, não só, que reformar a fé, mas o caráter, os usos, os hábitos sociais de seus povos; era-lhe necessário apoiar suas reformas na autoridade da religião, como o fizeram todos os legisladores dos povos primitivos. A dificuldade era grande, sem dúvida; contudo ele deixa uma porta aberta à interpretação e às modificações, dizendo que "Deus sempre pode substituir o que deu por algo de melhor".

     Interdito vos é desposar vossas mães, vossas filhas, vossas irmãs, vossa tias paternas e maternas, vossas sobrinhas, vossas amas, vossas irmãs de leite, as mães de vossas esposas, as filhas confiadas à vossa tutela e filhas de mulheres com as quais tenhais coabitado. Não desposeis, também, as filhas dos vossos filhos que tiverdes gerado, nem duas irmãs. É-vos proibido desposar mulheres casadas, exceto as que tivessem caído entre vossas mãos como escravas. (Surata IV, V. 27 e seguintes).

     Estas prescrições podem dar uma ideia da desmoralização destes povos. Para ser obrigado a proibir tais abusos, era preciso que eles existissem.

     Esposas do Profeta, ficai no interior de vossas casas. Não vos orneis faustosamente, como nos dias de idolatria. Fazei preces e esmolas. Obedecei a Deus e ao seu apóstolo. Ele quer afastar o vício dos vossos corações. Sois a família do profeta e deveis ser puras. - Zeid repudiou a sua esposa. Nós te unimos com ela, para que os fiéis tenham a liberdade de desposar as mulheres de seus filhos adotivos, após o repúdio. O preceito divino deve ter sua execução. - Ó profeta, a ti é permitido desposar as mulheres que tiveres adotado, as escravas que Deus fez cair em tuas mãos, as filhas de teus tios, e de tuas tias que fugiram contigo, e toda mulher fiel que te der seu coração. É um privilégio que te concedemos. - Não aumentarás o atual número de tuas esposas; não poderás trocá-las por outras cuja beleza te haja tocado. Mas a frequência de tuas mulheres escravas te é sempre permitido: Deus tudo observa. (Surata XXXIII, v. 37, 49 e 52).

     É aqui que Maomé realmente desce do pedestal a que havia subido. Lamenta-se vê-lo cair tão baixo, depois de se haver elevado tanto e fazer Deus intervir para justificar os privilégios que se concedia, para a satisfação de suas paixões. Conferia aos crentes quatro esposas legítimas, enquanto a si próprio se conferia treze. O legislador deve ser o primeiro súdito das leis que faz. É uma mancha indelével, que lançou sobre si e sobre o Islamismo.

     Esforçai-vos por merecer a indulgência do Senhor e a posse do paraíso, cuja extensão iguala os céus e a Terra, morada preparada para os justos - aqueles que dão esmola na prosperidade e na adversidade, e que, senhores dos movimentos de sua cólera, sabem perdoar os seus semelhantes. Deus ama a beneficência. (Surata III, v. 127, 128).

     Deus prometeu aos fiéis que houverem praticado a virtude a entrada dos jardins onde os rios correm. Aí morarão eternamente. As promessas do Senhor são verdadeiras. Que de mais infalível que sua palavra? (Surata IV, v. 121). 

     Eles habitarão eternamente a morada que Deus lhes preparou, os jardins de delícias regados pelos rios, lugares onde reinará a suprema beatitude. (Surata IX, V. 90)

     Os jardins e as fontes serão a partilha dos que temem o Senhor. Entrarão com a paz e a segurança. - Tiraremos a inveja de seus corações. Repousarão em seus leitos e terão uns para com os outros uma benevolência fraterna. - A fadiga não se aproximará da morada das delícias. Sua posse não lhes será tirada. (Surata XV, v. 45 e 48).

     Os jardins do Éden serão a habitação dos justos. Braceletes de ouro, ornados de pérolas e roupas de seda formarão sua indumentária. - Louvores a Deus, exclamarão eles; ele afastou de nós o sofrimento; é misericordioso e compassivo. - Introduziu-nos no palácio eterno, morada de sua magnificência. Nem a fadiga, nem a dor se aproximam deste asilo. (Surata XXXV, v. 30 a 32).

     Os hóspedes do paraíso beberão a largos sorvos na taça da felicidade. Deitados em leitos de seda, repousarão junto às suas esposas, em sombras deliciosas. - Encontrarão todos os frutos. Todos os seus desejos serão satisfeitos. (Surata XXXVI, v. 55 a 57).

    Os verdadeiros servos de Deus terão um alimento escolhido, - frutos esquisitos e serão servidos com honra. - Os jardins das delícias serão seu asilo. - Cheios de mútua benevolência repousarão em poltronas. - Ser-lhes-ão oferecidas taças de uma água pura - límpida e de um gosto delicioso - que não lhes obscurecerá a razão e não os embriagará. - Perto deles estarão virgens de olhar modesto, grandes olhos negros e cuja tez terá a cor dos ovos de avestruz. (Surata XXXVII, v. a 47).

     Dir-se-á aos crentes que tiverem professado o Islamismo: Entrai no jardim das delícias, vós e vossas esposas; abri os corações à alegria. - Dar-lhe-ão a beber em taças de ouro. O coração encontrará nessa morada tudo quanto pode desejar, o olho tudo quanto o pode encantar e os prazeres serão eternos. - Eis o paraíso que vossas obras vos proporcionaram. - Alimentai-vos dos frutos que ali crescem em abundância. (Surata XLIII, v. 69 a 72).

     Tal é o famoso paraíso de Maomé, do qual tanto pilheriaram, e que, certamente, não procuraremos justificar. Apenas diremos que estava em harmonia com os costumes desses povos e que devia agradá-los muito mais que a perspectiva de um estado puramente espiritual, por mais esplêndido que fosse, porque eram demasiado materiais para o compreender e lhe apreciar o valor. Era-lhes preciso algo de mais substancial e pode dizer-se que foram servidos na medida. Sem dúvida notar-se-á que os rios, as fontes, os frutos abundantes e as sombras aí representam um grande papel, porque representam o que falta aos habitantes do deserto. Desde os leitos macios e das roupas de seda, para gente habituada a dormir no chão, vestidos ou cobertos com pele de camelo, também deviam ter grande atrativo. Por mais ridículo que isto nos pareça, pensemos no meio em que vivia Maomé e não o censuremos muito, pois com o auxílio deste atrativo, ele soube tirar um povo da barbárie e dele fazer uma grande nação.

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