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AQUIESCÊNCIA À PRECE

 

(Comunicação de Um Espírito Protetor) - Revista Espírita de 1866).          

 

     Imaginais quase sempre que o que pedis na prece deve realizar-se por uma espécie de milagre. Esta crença errônea é a fonte de uma porção de práticas supersticiosas e de muitas decepções. Também conduz à negação da eficácia da prece. Porque vosso pedido não é acolhido da maneira por que vós o entendeis, concluis que é inútil e então, por vezes, murmurais contra a justiça de Deus. Outros pensam que, tendo Deus estabelecido leis eternas, às quais todos os seres estão submetidos, não é possível derrogá-las, para atender aos pedidos que lhe são feitos. É para vos premunir contra o erro, ou melhor, contra o exagero destas duas ideias que me proponho vos dar algumas explicações sobre o modo de aquiescência à prece.

    

     Há uma verdade incontestável, é que Deus não altera nem para ninguém o curso das leis que regem o universo. Sem isto, a ordem da natureza seria incessantemente perturbada pelo capricho do primeiro que chegasse. É, pois, certo que toda prece que não pudesse ser atendida senão por uma derrogação destas leis ficaria sem efeito. Tal seria, por exemplo, a que tivesse por objeto a volta à vida de um homem realmente morto, ou o restabelecimento da saúde se a desordem do organismo for irremediável.

 

     Não é menos certo que nenhuma atenção é dada aos pedidos fúteis ou inconsiderados. Mas ficai persuadidos que toda prece pura e desinteressada é escutada e que é sempre levada em conta a intenção mesmo quando Deus, em sua sabedoria, julgasse a propósito não a atender; é sobretudo então que deveis dar prova de humildade e de submissão à sua vontade, dizendo-vos que melhor do que vós ele sabe o que vos pode ser útil.

 

     Há, por certo, leis gerais a que o homem está fatalmente submetido; mas é erro crer que as menores circunstâncias da vida sejam paradas de antemão de maneira irrevogável; se assim fosse, o homem seria uma máquina sem iniciativa e, por consequência, sem responsabilidade. O livre-arbítrio é uma das prerrogativas do homem; desde o momento que ele é livre de ir para a direita ou para a esquerda, de agir conforme as circunstâncias, seus movimentos não são regulados como os de uma máquina. Conforme faz ou não faz uma casa e conforme a faz de uma maneira ou de outra, os acontecimentos que disso dependem seguem um curso diferente; desde que subordinados à decisão do homem, não são submetidos à fatalidade. Os que são fatais são os que são independentes de sua vontade. Mas, todas as vezes que o homem pode reagir em virtude de seu livre-arbítrio, não há fatalidade.

 

     O homem tem, pois, um círculo, no qual pode mover-se livremente. Esta liberdade de ação tem por limites as leis da natureza, que nenhum pode transpor; ou, melhor dito, esta liberdade, na esfera da atividade em que se exerce, faz parte dessas leis; é necessária e é por ela que o homem é chamado a concorrer para a marcha geral das coisas; e como ele o faz livremente, tem o mérito do que fez de bem e o demérito do que fez de mal, de sua despreocupação, de sua negligência, de sua inatividade. As flutuações que sua vontade pode causar aos acontecimentos da vida de modo algum perturbam a harmonia universal e essas mesmas flutuações fazem parte das provas que incumbem ao homem na Terra.

 

     No limite das coisas que dependem da vontade do homem, Deus pode, pois, sem derrogar suas leis, aceder a uma prece, quando é justa, e cuja realização pode ser útil; mas acontece muitas vezes que ele julga a sua utilidade e a sua oportunidade diversamente de nós, razão por que nem sempre aquiesce. Se lhe agrada exalçá-la, não é modificando seus desígnios soberanos que o faz, mas por meios que não saem da ordem legal, se assim se pode dizer. Os Espíritos, executores de sua vontade, são então encarregados de provocar as circunstâncias que devem conduzir ao resultado desejado. Quase sempre esse resultado requer o concurso de algum encarnado; é, pois, esse concurso que os Espíritos preparam, inspirando os que devem nele cooperar o pensamento de uma ação, incitando-o a ir a um ponto e não a um outro, provocando encontros propícios que parecem devidos ao acaso; ora, não existe acaso nem na assistência que se recebe, nem nas desgraças que se experimenta.

 

     Nas aflições, a prece não só é uma prova de confiança e de submissão à vontade de Deus, que a escuta, se for pura e desinteressada, mas ainda tem por efeito, como sabeis, estabelecer uma corrente fluídica que leva longe, no espaço, o pensamento do aflito, como o ar leva os acentos de sua voz. Este pensamento repercute nos corações simpáticos ao sofrimento e estes, por um movimento inconsciente e como atraídos por um poder magnético, se dirigem para o lugar onde sua presença pode ser útil. Deus, que quer socorrer aquele que o implora, sem dúvida poderia fazê-lo por si mesmo, instantaneamente, mas, como disse, não faz milagres, e as coisas devem seguir o seu curso natural; ele quer que os homens pratiquem a caridade, socorrendo-se uns aos outros. Por seus mensageiros, leva o lamento onde pode encontrar eco e lá bons Espíritos sopram um bom pensamento. Posto que suscitado, o pensamento, por isto mesmo que sua fonte é desconhecida, deixa ao homem toda a sua liberdade; nada o constrange; há, por conseguinte, todo o mérito da espontaneidade se cede à voz íntima que nele faz apelo ao sentimento do dever e tudo o desmerece se, dominado por uma indiferença egoísta, ele resiste.

 

     Pergunta ao Espírito: Há casos, como num perigo iminente, em que a assistência deve ser pronta. Como pode ela chegar em tempo útil, se é preciso esperar a boa vontade de um homem e se essa boa vontade está ausente, por força do livre-arbítrio?

 

     - Não deveis esquecer que os anjos de guarda, os Espíritos protetores, cuja missão é velar pelos que lhes são confiados, os seguem, por assim dizer, passo a passo. Não lhes podem evitar as apreensões dos perigos, que fazem parte de suas provações; mas se as consequências do perigo podem ser evitadas, como o previram antes, não esperaram o último momento para preparar os socorros. Se, por vezes, se dirigem aos homens de má vontade, é visando procurar despertar neles os bons sentimentos, mas não contam consigo.

 

     Quando, numa posição crítica, uma pessoa se acha, como que a propósito, para vos assistir e exclamais: “É a Providência que a envia”, dizeis uma verdade maior do que por vezes supondes.

    

     Se há casos prementes, outros que o são menos exigem um certo tempo para trazer um concurso de circunstâncias favoráveis, sobretudo quando é preciso que os Espíritos triunfem, pela inspiração, da apatia das pessoas cuja cooperação é necessária para o resultado a obter. Essas demoras na realização do desejo são provações para a paciência e a resignação; depois, quando chega a realização do que se desejou, é quase sempre por um encadeamento de circunstâncias tão naturais, que absolutamente nada denuncia uma intervenção oculta, nada afeta a mais ligeira aparência de maravilhoso. As coisas parecem arranjar-se por si mesmas. Isto deve ser assim pelo duplo motivo que os meios de ação não se afastam das leis gerais e, em segundo lugar que, se a assistência dos Espíritos fosse muito evidente, o homem se fiaria neles e habituar-se-ia a não contar consigo mesmo. Essa assistência deve ser compreendida por ele por pensamento, pelo sentido moral e não pelos sentidos materiais. Sua crença deve ser o resultado de sua fé e de sua confiança na bondade de Deus. Infelizmente, porque não viu o dedo de Deus fazer um milagre para ele, esquece o mais das vezes aquele a quem deve sua salvação, para glorificar o acaso. É uma ingratidão que, mais cedo ou mais tarde, receberá a sua expiação.                      INÍCIO                PRÓXIMA