A Transfiguração - último trabalho de Raffaello Sanzio (1483/1520).                     

Chopin - (1810/1849) - Quadro de Wodzinska

FREDERICO CHOPIN

  Nota do compilador: Yvonne Pereira, médium, conta-nos no seu livro "Devassando o Invisível", suas experiências de contatos com o Plano Espiritual.

     No dia 3 de janeiro de 1957, ou na madrugada desse dia, verificou-se a mais positiva e curiosa manifestação de Frederico Chopin, que tivemos a honra de espontaneamente obter, pois jamais temos provocado quaisquer das manifestações que recebemos, nem sequer desejando-as. Tais fatos, como os que passaremos a narrar, são, aliás, comuns nas atribuições de um médium, pois para isso recebeu ele o dom de intérprete do Mundo Invisível; do contrário não os citaríamos aqui, máxime por ser o manifestante um vulto que mais amado se torna quanto mais recuada fica a data em que viveu sobre a Terra.

     Como de hábito, independente sempre da nossa vontade, tivemos o espírito arrebatado para um voo pelo Espaço, cuja finalidade se manteve velada ao nosso entendimento terreno até hoje, pois de coisa alguma conseguimos recordar-nos ao despertar. Apenas pudemos perceber que fôramos atraída sob as injunções de Charles, pois que o víramos aproximar-se, distintamente, antes de lançar a descarga fluídica que nos levou a adormecer magneticamente, no transe que se seguiu. Ao regresso, porém, mal despertávamos, notamos estar acompanhada também por outra entidade, além de Charles, reconhecendo tratar-se de Frederico Chopin, já nosso conhecido desde o ano de 1931. Totalmente desperta, mas ainda imobilizada sob a dormência da letargia, compreendemos que se acentuava a materialização das duas individualidades em apreço, pois jamais os amigos espirituais abandonam seus médiuns antes que se desfaça a ação melindrosa de um transe dessa natureza. Ao contrário, trazem-nos sempre até ao aposento onde se encontra o corpo semimorto, ajudando-os na operação penosa de apossarem definitivamente do corpo. No entanto, o amigo Chopin, sentando-se numa cadeira colocada em frente ao nosso leito, deixou-se materializar tão perfeitamente que apresentou todas as características humanas, enquanto, de pé, fluídico e transparente, levemente lucilante, com a sua indumentária de iniciado hindu, Charles como que assistia, ou presidia, o fenômeno, pois os iniciados gostam de provocar sempre, para os seus médiuns, fenômenos empolgantes, a fim de instruí-los, preferindo, contudo, as manifestações tipicamente espirituais.    

     Chopin entrou a narrar, então, os sofrimentos por que passou desde que se reconheceu irremediavelmente doente, atacado pela tuberculose. Disse da desolação que o dominou ante a impossibilidade de se dedicar aos trabalhos que pretendia levar a efeito, e aludiu às dificuldades financeiras que o afligiram, às humilhações e desgostos daí decorrentes, sem se referir, jamais, à sua grande amiga George Sand. Mas, à proporção que narrava, evocando o próprio passado terreno, revivendo-o, em si mesmo, transformava-se: voltou àquela fase da sua existência, mostrou-se enfermo, tuberculoso, abatido, rouco, os olhos profundos e pisados, o peito arquejante, cansado pelo esforço da conversação. Vimo-lo tossir dolorosamente, expectorar, levar o lenço à boca, ter hemoptise! Vimo-lo suar e enxugar a fronte e o rosto, com o lenço, e sentimos o seu hálito de doente do peito sem o devido trato! Não mais um Espírito desencarnado, mas um homem gravemente enfermo, com todos os complexos do estado de encarnação! Chorava, revelando grande sofrimento moral, além do físico.

     Assaltada, então, por um intenso e indefinível sentimento de angústia e compaixão, mas ainda meio atordoada pelas últimas gradações do transe, levantamo-nos do leito, ajoelhamo-nos diante dele e nos pusemos a chorar também, pois o médium canaliza para si todas as impressões da entidade com que se comunica. Então, tínhamos os braços apoiados sobre seus joelhos e as mãos cruzadas como em prece, e ele nos pareceu tão sólido e material como qualquer ser humano. Dizia sentir febre e tocou nossas mãos com as suas, provando o que dizia: sentimos, com efeito, que aquelas mãos estavam quentes e úmidas, acusando temperatura elevada. Queixou-se de que tinha o estômago e os intestinos inchados e doloridos, devido à doença, a qual àqueles órgãos também afetara, e, ao dizê-lo, comprimi-os com as mãos.

     O sofrimento que nos atingia era intenso e insuportável. Charles interveio, levantando-o docemente e furtando-o, e a si próprio, de nossa visão. Mas, antes que se desfizesse de vez o fenômeno, tomamos de suas mãos e beijamo-las, exclamando: “Adeus Fred!”, pois esse é o tratamento que lhe damos sempre, durante os transes dessa natureza. Esse fenômeno deixou-nos entristecida e abalada durante muitos dias.

     De outra feita, isto é, a 10 de março de 1958, materializado plenamente à nossa frente, recordando seu estado humano, deixou-se contemplar muito agasalhado com roupa de lã e envolvido num pequeno cobertor, ou manta, que lhe tomava a cabeça e os ombros, emprestando-lhe aspecto feio. Dizia passar mal durante o inverno e no período das chuvas, e mostrou os pés, que estavam inchados, coisa difícil de um médium poder observar, os pés, numa entidade desencarnada, mesmo quando materializada. Observamos novamente que suas calças eram de “tecido de lã azul”, com a particularidade de mostrar pequenos pontos reluzentes em alto relevo, como gotas de orvalho, as meias também eram de lã, de cor branco marfim, quase creme, e que usava chinelos muito grandes, arrastando-os ao caminhar, parecendo que não lhe pertenciam. Essa materialização, tão perfeita quanto a antecedente, fez-nos vê-lo sentar-se ao nosso lado, num divã. Sentimos o contato da sua presença, a impressão do calor natural a um corpo carnal, como se, realmente, se tratasse de uma pessoa humana que nos visitasse. Não nos recordamos, porém, de nenhuma conversação substancial, ou doutrinária, que tivéssemos. Jamais lhe perguntamos algo, e nunca somos a primeira a falar, o que, de igual modo, acontece sempre que nos comunicamos com outros Espíritos. Note-se que a conversação assim realizada nunca se processa através da palavra enunciada, mas telepaticamente, o que é tanto ou mais eficiente do que o verbo falado, a tal ponto que o médium distingue as vibrações de todos os seus Guias e amigos espirituais, e reconhece-os como se se tratasse do tom vocal de cada um deles.

     É possível que durante a emancipação do nosso espírito pelo transe letárgico, ou desdobramento, tenhamos conversações substanciosas com esse encantador Espírito. Mas, em vigília, nossos entendimentos são curtos, embora afetuosos e muito interessantes, servindo, geralmente, para identificá-lo. Pediu-nos, certa vez, muito delicadamente, que tomássemos um professor de música e aperfeiçoássemos o nosso conhecimento de piano, com fervor e vontade, porque, se assim fosse, afirmou ele: “Eu poderia realizar o que desejo, por seu intermédio. Então, dar-lhe-ia mensagens do gênero que mais me interessaria... pois somente me expressarei pela música...” Mas, não sendo possível atendê-lo, porquanto sabemos que a Arte arrebata o espírito e julgamos serem outros os nossos compromissos com a Doutrina Espírita, resignamo-nos ao pesar de não satisfazer o desejo do querido amigo, nesse particular.

     Asseverou-nos que sabia ser ele muito amado pelos brasileiros, o que particularmente o enternece. Mas observa que ninguém lhe dirige uma prece, e que necessita desse estímulo para as futuras tarefas que empreenderá, ao reencarnar, quando pretende servir a Deus e ao próximo, o que nunca fez através da música. Declarou que, salvo resoluções posteriores, pretende reencarnar no Brasil, país que futuramente Sentimos o contato da sua presença, a impressão do calor natural a um corpo carnal, como se, realmente, se muito auxiliará o triunfo moral das criaturas necessitadas de progresso, mas que tal acontecimento só se verificará do ano de 2000 em diante, quando descerá à Terra brilhante falange com o compromisso de levantar, moralizar e sublimar as Artes. Não poderá precisar a época exata. Só sabe que será  depois do ano de 2000, e que a dita falange será como que capitaneada por Vítor Hugo, Espírito experiente e orientador (a quem se acha ligado por afinidades espirituais), capaz de executar missões dessa natureza.

     Em desdobramento, há cerca de dois anos, pudemos entrever o amigo Chopin “na glória do seu triunfo espiritual”, como se expressam os instrutores do Mundo Invisível. Tivemos a impressão de nos encontrarmos, então, diante de um anjo, tal o encantamento que de sua individualidade irradiava. Lucilante, angelical, todo envolvido em jactos de luz azul feérica, pudemos contemplá-lo na plenitude da sua candura pessoal, da sua formosura moral: terno, afável, preocupado em ser amável, mas tímido e tristonho sempre, simples até ao enternecimento. Diante de tão fulgurante visão espiritual, nosso espírito naturalmente curvou-se de joelhos e se desfez em lágrimas, pois nenhum médium contemplaria com indiferença um Espírito no seu verdadeiro elemento espiritual. Contudo, ele estava, ainda, trajado, e por mais que tal revelação contrarie o leitor, não nos será possível afirmar outra coisa, porquanto aqui nos propusemos revelar o que nossa faculdade mediúnica tem captado no Além-túmulo, e foi isso, e não outra coisa, que conseguimos entrever. Notamos, pois, que se trajava como um elegante fidalgo do século XVIII: calções de seda azul até aos joelhos, rebrilhantes, salpicados de gotas de orvalho; blusa de mangas amplas, ajustadas nos punhos, de cetim branco, brilhante, mas sem trazer o casaco clássico, da época. Não vimos os pés, porque o luzeiro azul que o envolvia como que os encobria. Compreendemos, então, que ele tivera uma existência ao tempo da Regência, na França, ou de Luís XV, na qual pertencera à nobreza, existência que lhe fora muito grato. Todo o seu aspecto irradiava vibrações reveladoras de um grande poeta, de um profundo pensador. Beijamos-lhe, como sempre, as mãos, que ele não negou estender, e de joelhos, e em lágrimas, despedimo-nos, como da primeira vez: “Adeus, Fred!”

     Ainda na mesma oportunidade, afirmou o instrutor espiritual Charles que Frederico Chopin seria a reencarnação do poeta romano Ovídio (poeta latino, fácil e brilhante, amigo de Vergílio e de Horácio), que viveu cerca de quarenta anos antes do Cristo, falecido no ano 16 da nossa era, e do pintor italiano Rafael Sanzio, pois que o intelectual, o artista, na sua evolução pelo roteiro do Saber, dentro da Arte, há de passar por todas as suas facetas, sublimando-se até à comunhão com o Divino.         PRÓXIMO           INÍCIO

Publio Ovidio Nasone (43 aC - 17)