Reprodução de pintura de 1947, sem registro do autor, configurando o Cristo e a Humanidade a seguir-lhe os passos. Foto iap

ORAÇÃO DOMINICAL               

     O mais perfeito modelo de concisão, no caso da prece, é, sem contradita, a Oração dominical, verdadeira obra prima de sublimidade na simplicidade; sob a mais reduzida forma, ela resume todos os deveres do homem para com Deus, para consigo mesmo e para com o próximo. Contudo, em razão de sua mesma brevidade, o sentido profundo, encerrado nas poucas palavras de que se compõe, escapa à maioria. Eis porque geralmente a dizem sem dirigir o pensamento sobre as aplicações de cada uma de suas partes. Para suprir o vago que a sua concisão deixa no pensamento, aqui acrescentamos a conselho e com a assistência dos bons Espíritos, um desenvolvimento a cada proposição. Abaixo damos a Oração dominical desenvolvida. Se algumas pessoas achassem que não era aqui o lugar para um documento desta natureza, nós lhes lembraríamos que a nossa Revista não é apenas uma coletânea de fatos e que o seu quadro abarca tudo o que pode ajudar o desenvolvimento moral. Houve um tempo em que os casos de manifestações eram os únicos a interessar os leitores; hoje, porém, que o objetivo sério e moralizador do Espiritismo é compreendido e apreciado, a maioria dos adeptos ali procuram mais o que toca o coração do que o que agrada ao espírito. É, pois, a estes que nos dirigimos nesta circunstância. Por esta publicação sabemos ser agradável a um grande número, senão a todos. Só isto nos decidiu, se outras considerações, sobre as quais devemos guardar silêncio, não nos tivessem determinado a fazê-lo neste momento, e não em outro. 

 I.   PAI NOSSO, QUE ESTAIS NO CÉU, SANTIFICADO SEJA O VOSSO NOME!

     Cremos em vós, Senhor, porque tudo revela o vosso poder e a vossa bondade. A harmonia do universo testemunha uma sabedoria, uma prudência e uma previdência que ultrapassam todas as faculdades humanas; o nome de um ser soberanamente grande e sábio está inscrito em todas as obras da criação, desde o broto de erva e o menor inseto até os astros que se movem no espaço; por toda a parte vemos a prova de uma solicitude paternal; eis por que é cego aquele que vos não reconhece em vossas obras, orgulhoso aquele que vos não glorifica e ingrato aquele que vos não rende ações de graça. 

II.  VENHA A NÓS O VOSSO REINO!

     Senhor, destes aos homens leis cheias de sabedoria e que fariam a sua felicidade, se as observassem. Com essas leis eles fariam reinar entre si a paz e a justiça; ajudar-se-iam mutuamente, em vez de se prejudicarem, como fazem; o forte ampararia o fraco, em vez de o esmagar; evitariam os males gerados pelos abusos e excessos de todos os gêneros. Todas as misérias daqui de baixo vêm da violação de vossas leis, porque não há uma só infração que não tenha suas consequências fatais.

     Destes ao animal o instinto, que lhe traça o limite do necessário e ele se conforma maquinalmente; mas ao homem, além desse instinto, destes a inteligência e a razão; também lhe destes a liberdade de observar ou infringir aquelas de vossas leis que concernem pessoalmente, isto é, de escolher entre o bem e o mal, a fim de que tenha o mérito e a responsabilidade de suas ações.

     Ninguém pode pretextar ignorância de vossas leis, porque, na vossa previdência paternal, quisestes que elas fossem gravada na consciência de cada um, sem distinção de culto nem de nações. Os que as violam é porque vos desconhecem.

     Um dia virá em que, conforme a vossa promessa, todos as praticarão. Então a incredulidade terá desaparecido; todos vos reconhecerão como Soberano Senhor de todas as coisas, e o reino de vossas leis terá o vosso reino na terra.

     Dignai-vos, Senhor, apressar a sua vinda, dando aos homens a luz necessária para os conduzir no caminho da verdade. 

III.  SEJA FEITA A VOSSA VONTADE, ASSIM  NA TERRA COMO NO CÉU!

     Se a submissão é um dever do filho para com o pai, do inferior para com o seu superior, quanto maior não deve ser a da criatura para com o seu Criador! Fazer a vossa vontade, Senhor, é observar vossas leis e submeter-se sem murmúrio aos vossos divinos desígnios; o homem a eles submeter-se-á quando compreender que sois a fonte de toda sabedoria e que sem vós nada pode; então fará vossa vontade na terra, como os eleitos no céu. 

IV.  O PÃO DE CADA DIA DAI-NOS HOJE.

     Dai-nos o alimento para manutenção das forças do corpo; dai-nos, também, o alimento espiritual para o desenvolvimento de nosso Espírito.

     O animal encontra sua pastagem; mas o homem a deve à sua própria atividade e aos recursos de sua inteligência, porque a criastes livre.

     Vós lhe dissestes: “Tirarás o teu alimento da terra com o suor de teu rosto”. Por isto, vós lhe tornastes o trabalho uma obrigação, para que ele exercitasse sua inteligência pela procura dos meios de prover às suas necessidades e ao seu bem-estar, uns pelo trabalho material, outros pelo trabalho intelectual; sem o trabalho ficará estacionário e não poderá aspirar à felicidade dos Espíritos superiores.

     Vós ajudais os homens de boa vontade, que se confiam a vós para o necessário, mas não aquele que se compraz na ociosidade e tudo quereria obter sem esforço, nem aquele que busca o supérfluo.

     Quantos não sucumbem por sua própria culpa, por sua incúria, imprevidência ou ambição, e por não ter querido contentar-se com o que lhes haveis dado! Esses são os artistas de seu próprio infortúnio e não têm o direito de lamentar-se, porque são punidos por onde pecaram. Mas esses mesmos vós não os abandonais, porque sois infinitamente misericordioso; vós lhes estendeis a mão socorrista desde que, como o filho pródigo, voltam para vós sinceramente.

     Antes de nos lamentarmos de nossa sorte, perguntemos se não é obra nossa. A cada desgraça que nos chega, perguntemos se de nós não teria dependido evitá-la; mas digamos também que Deus nos deu a inteligência para nos tirar do lodaçal e que de nós depende pô-la em atividade.

     Desde que a lei do trabalho é a condição do homem na terra, dai-nos força e coragem para a cumprir; dai-nos, também, a prudência, a previdência e a moderação, a fim de lhe não perder o fruto.

     Dai-nos pois, Senhor, o pão nosso de cada dia, isto é, os meios de adquirir pelo trabalho as coisas necessárias à vida, pois ninguém tem direito de reclamar o supérfluo.

     Se o trabalho nos for impossível, confiamos em vossa divina Providência.

     Se entrar nos vossos desígnios nos experimentas pelas mais duras provações, mau grado os nossos esforços, nós as aceitamos como uma justa expiação das faltas que podemos ter cometido nesta vida ou em vida precedente, porque sois justo; sabemos que não há penas imerecidas e que jamais castigais sem causa.

     Preservai-nos, ó meu Deus, da inveja contra os que possuem o que não temos, nem mesmo contra os que têm o supérfluo, ainda que nos falte o necessário. Perdoai-lhes se esquecem a lei da caridade e de amor ao próximo, que lhes ensinastes.

     Afastai, também, do nosso Espírito o pensamento de negar vossa justiça, vendo a prosperidade do mau e a infelicidade que, por vezes, acabrunha o homem de bem. Agora sabemos, graças às novas luzes que vos aprouve nos dar, que vossa justiça recebe todo o seu cumprimento e não falta a ninguém; que a prosperidade material do perverso é efêmera como a sua existência corpórea e que terá terríveis retornos, ao passo que será eterna a alegria reservada ao que sofre com resignação. 

V.  PERDOAI AS NOSSAS DÍVIDAS, ASSIM COMO PERDOARMOS AOS NOSSOS DEVEDORES. PERDOAI AS NOSSAS OFENSAS, ASSIM COMO PERDOARMOS AOS QUE NOS OFENDEM.

     Cada uma de nossas infrações às vossas leis, Senhor, é uma ofensa a vós, e uma dívida contraída que, mais cedo ou mais tarde, teremos que resgatar. Solicitamos de vossa infinita misericórdia a sua remissão, sob promessa de fazer esforços para não contrair novas.

     Fizestes-nos da caridade uma lei expressa. Mas a caridade não consiste apenas em assistir ao semelhante em suas necessidades; também está no esquecimento e no perdão das ofensas. Com que direito reclamaríamos a vossa indulgência, se nós mesmos a ela faltamos para com aqueles de que temos de nos lamentar?

     Dai-nos, ó meu Deus! a força de abafar em nossa alma todo ressentimento, todo ódio, todo rancor; fazei que a morte não nos surpreenda com um desejo de vingança no coração. Se vos aprouver hoje mesmo nos retirar daqui, fazei que nos possamos apresentar a vós puro de animosidades, a exemplo do Cristo, cujas últimas palavras foram para os seus carrascos.

     As perseguições que os maus nos fazem sofrer são parte de nossas provas terrenas; devemos aceitá-las sem murmuração, como a todas as outras, e não maldizer os que, por suas maldades, nos abrem o caminho da felicidade eterna, pois nos dissestes, pela boca de Jesus: “Bem-aventurados os que sofrem por amor da justiça!” Bendigamos, pois, a mão que nos fere e nos humilha, porque as contusões do corpo fortificam-nos a alma e seremos erguidos de nossa humildade. 

     Bendito seja o vosso nome, Senhor, por nos haverdes ensinado que nossa sorte não será irrevogavelmente fixada após a morte; que em outras existências encontraremos os meios de resgatar e reparar nossas faltas passadas, de cumprir em uma vida aquilo que não podemos fazer nesta, para o nosso adiantamento.

     Por aí se explicam, enfim, todas as anomalias aparentes da vida; é a luz lançada sobre o nosso passado e o nosso futuro, o sinal deslumbrante de vossa soberana justiça e de vossa bondade infinita. 

VI.  NÃO NOS DEIXEIS CAIR EM TENTAÇÃO, MAS LIVRAI-NOS DO MAL.

     Dai-nos, Senhor, a força de resistir às sugestões dos maus Espíritos que tentem desviar-nos da via do bem, inspirando-nos maus pensamentos.

     Mas nós mesmos somos Espíritos imperfeitos, encarnados nesta Terra para expiar e nos melhorar. A causa primeira do mal está em nós, e os maus Espíritos apenas aproveitam nossas más inclinações viciosas, nas quais nos entretêm, para nos tentar.

     Cada imperfeição é uma porta aberta à sua influência, ao passo que são impotentes e renunciam a toda tentativa contra os seres perfeitos. Tudo quanto poderíamos fazer para os afastar será inútil, se não lhes opusermos uma vontade inquebrantável no bem e uma renúncia absoluta ao mal. É, pois, contra nós mesmos que devemos dirigir nossos esforços e, então, os maus Espíritos afastar-se-ão naturalmente, porque é o mal que os atrai, enquanto o bem os repele.

     Senhor, sustentai-nos em nossa fraqueza; inspirai-nos, pela voz dos anjos da guarda e dos bons Espíritos, a vontade de nos corrigirmos de nossas imperfeições, a fim de fechar aos Espíritos impuros o acesso à nossa alma.

     O mal não é obra vossa, Senhor, porque a fonte de todo o bem não pode engendrar coisas más; é por nós mesmos que o criamos, infringindo as vossas leis e pelo mau uso, que fazemos, da liberdade que nos destes. Quando os homens observarem as vossas leis, o mal desaparecerá da terra, como já desapareceu dos mundos mais adiantados.

     O mal não é uma necessidade fatal para ninguém e só aparece irresistível aos que a ele se abandonam com satisfação. Se tivermos vontade de o fazer, também podemos ter a de fazer o bem. Por isto, ó meu Deus, pedimos a vossa assistência e a dos bons Espíritos, para resistir à tentação. 

VII. ASSIM SEJA.

     Praza-vos, Senhor, que nossos desejos se realizem! Mas nos inclinamos ante a vossa sabedoria infinita. Sobre todas as coisas que não é dado compreender, que se faça segundo a vossa santa vontade e não a nossa, porque não quereis senão o nosso bem e sabeis melhor que nós o que nos é útil.

     Nós vos dirigimos esta prece, ó meu Deus! por nós mesmos, por todas as almas sofredoras, encarnadas e desencarnadas, por nossos amigos e nossos inimigos, por todos os que pedem a nossa assistência.

     Chamamos sobre todos a vossa misericórdia e a vossa bênção.

NOTA: Aqui pode ser formulado que agradecemos a Deus e o que pede para si ou para outrem. (Allan Kardec - Revista Espírita de 1864).

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