Penhascos na localidade de Pancas - Estado do Espírito Santo - Foto iap

 

VISITA SEM BANQUETE

(Autor: Allan Kardec - Revista Espírita de 1862).

      Meus caros irmãos e amigos espíritas de Lyon.

     Apresso-me em dizer quanto sou sensível ao novo testemunho de simpatia que me acabais de dar, com o amável e grato convite para vos visitar este ano. Aceito-o com prazer, porque, para mim, é sempre uma felicidade encontrar-me em vosso meio.

     Amigos, minha alegria é grande ao ver a família crescer a olhos vistos: é a mais eloquente resposta aos tolos e ignóbeis ataques ao Espiritismo. Parece que tal crescimento lhes aumenta o furor, porque, hoje mesmo, recebi uma carta de Lyon, anunciando a remessa de um jornal dessa cidade, La France littéraire, no qual a doutrina em geral, e minhas obras em particular, são agredidas de maneira tão desagradável que me consultam se devem responder pela imprensa ou pelos tribunais. Digo que a resposta deve ser o desprezo.

     Se a doutrina não fizesse progressos, se minhas obras fossem natimortas, ninguém se inquietaria e nada diria. São os nossos sucessos que exasperam os inimigos. Deixemo-los, pois, derramar a sua raiva impotente, que mostra como sentem próxima a sua derrota. Eles não são tão tolos para se agarrarem a um aborto. Quanto mais ignóbeis forem os seus ataques, menos estes devem ser temidos, porque desprezados pelas criaturas honestas e provam que aqueles não têm boas razões a opor, desde que só sabem dizer injúrias.

     Continuai, pois, meus amigos, a grande obra de regeneração, iniciada sob tão felizes auspícios e em breve colhereis o fruto da perseverança. Provai, sobretudo pela união e pela prática do bem, que o Espiritismo é a dádiva da paz e da concórdia entre os homens, e fazei que, vendo-vos, se possa dizer que seria desejável que todos fossem espíritas.

     Meus amigos, sinto-me feliz por ver tantos grupos unidos no mesmo sentimento e marcharem de comum acordo para o nobre objetivo que nos propomos. Sendo tal objetivo o mesmo para todos, não poderia haver divisões: uma mesma bandeira vos deve guiar e nela está escrito: “Fora da Caridade não há salvação”. Ficai certos de que em torno dela é que a humanidade inteira sentirá necessidade de se unir, quando se cansar das lutas geradas pelo orgulho, pela inveja e pela cupidez. Esta máxima, verdadeira âncora de salvação, pois será o repouso após a fadiga, o Espiritismo terá a glória de havê-la proclamado. Inscrevei-a em todos os locais de reunião e em vossas casas. Que ela seja, de agora em diante, a palavra de união entre todos os homens que, sinceramente, querem o bem, sem segunda intenção pessoal. Mas fazei melhor ainda: gravai-a em vossos corações e, desde já, desfrutareis a calma e a serenidade que aí acharão as gerações futuras, quando a paz for a base das relações sociais. Sois os pioneiros: deveis dar exemplo, a fim de encorajar os outros a vos seguirem.

     Não esqueçais que a tática dos vossos inimigos encarnados e desencarnados é dividir-vos. Provai-lhes que perdem o tempo na tentativa de suscitar, entre os grupos, sentimentos de inveja e rivalidades, que seriam uma apostasia da verdadeira doutrina espírita cristã.

     As 500 assinaturas que subscrevem o convite que tivestes a bondade de me enviar representam um protesto contra essa tentativa; e ainda há outros que terei o prazer de aí ver. Aos meus olhos é mais que simples fórmula: é um estímulo à marcha que nos traçam os bons Espíritos. Eu as conservarei preciosamente, porque um dia constituirão os gloriosos arquivos do Espiritismo.

     Ainda uma palavra, meus amigos. Indo ver-vos, uma coisa desejo: é que não haja banquete. E isto por vários motivos. Não quero que minha visita seja ocasião para despesas que poderiam impedir a presença de alguns e privar-me do prazer de ver todos reunidos. Os tempos estão duros. Não devemos fazer despesas inúteis. O dinheiro que isto custaria seria melhor empregado em auxílio aos que mais tarde necessitarão. Eu vo-lo digo com toda sinceridade: o pensamento naquilo que fizerdes por mim em tal circunstância poderia ser uma causa de privação para muitos e me tiraria o prazer da reunião. Nem vou a Lyon para exibição nem para receber homenagens, mas para me entender convosco, consolar os aflitos, encorajar os fracos, ajudar-vos com os meus conselhos até onde estiver em mim fazê-lo. E o que de mais agradável me podeis oferecer é o espetáculo de uma união boa, franca e sólida. Crede: os termos tão afetuosos do vosso convite para mim valem mais que todos os banquetes do mundo, ainda que oferecido num palácio. Que me restaria de um banquete? Nada. Ao passo que vosso convite fica como preciosa lembrança e uma prova de vossa afeição.

     Até breve, meus amigos; se Deus quiser terei o prazer de vos apertar as mãos cordialmente.

Nota do compilador: Por este documento pode-se comprovar que Kardec foi um homem destituído de quaisquer interesses de grandeza. Sua simplicidade e honestidade eram marcantes. Somente a esse homem, portador de firmeza moral e de formação intelectual invejável, poderiam vir os Espíritos Superiores a transmitir-nos a Doutrina Espírita (O Consolador, nas palavras do Cristo)                                                                                                                                         INÍCIO

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