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 O DESPERTAR

(Espírito Louis Desnoyers - Revista Espírita de abril de 1869).

     Decididamente, senhores, mau grado meu, é preciso que eu abra os olhos e os ouvidos; é preciso que escute e veja. Por mais que negue, que declare que sois maníacos, muito corajosos, mas muito inclinados aos vossos devaneios, às ilusões, é necessário, confesso-o, a despeito dos meus ditos, que finalmente eu saiba que não mais sonho. Quanto a isto, estou certo, mas completamente certo. Venho à vossa casa todas as sextas-feiras, dia de reunião e, à força de ouvir repetir, quis saber se esse famoso sonho se prolongará indefinidamente. O amigo Jobard encarregou-se de me edificar a respeito, e isto com provas fundamentadas.

     Não pertenço mais à Terra; estou morto; vi o luto dos meus, o pesar dos amigos, o contentamento de alguns invejosos e agora venho ver-vos. Meu corpo não me seguiu; está mesmo lá, no seu recanto, no meio do adubo humano; e, com ou sem apelo, hoje venho a vós, não mais com despeito, mas com o desejo e a convicção de me esclarecer. Tenho perfeito discernimento; vejo o que fui; percorro com Jobard distâncias imensas: então vivo, concebo, combino, possuo a minha vontade e meu livre-arbítrio; assim, nem tudo morre. Não éramos, pois, uma agregação inteligente de moléculas e todas as salmodias1 sobre a inteligência da matéria não passavam de frases vazias e sem consciência.

     Ah! crede, senhores, se meus olhos se abrem, entrevejo uma verdade nova, e não é sem sofrimentos, sem revoltas, sem retornos amargos!

     É, pois, muito verdadeiro! O Espírito permanece! Fluido inteligente, pode, sem a matéria, viver sua vida própria, etérea, segundo a vossa expressão: semimaterial. Por vezes, entretanto, eu me pergunto se o sonho fantástico que eu tinha há mais de um mês não continua com essas peripécias novas, incríveis; mas o raciocínio frio, impassível de Jobard força-me a mão e, quando resisto, ele ri e se delicia em me confundir e, todo contente, cumula-me de epigramas e ditos alegres! Por mais que me rebele e me revolte, há que obedecer à verdade.    

     O Desnoyers da Terra, o autor de Jean-Paul Choppard ainda está em vida e seu pensamento ardente abarca outros horizontes. Outrora era liberal e terra-a-terra, ao passo que agora aborda e abraça problemas desconhecidos, maravilhosos; e, ante essas novas apreciações, senhores, tende a bondade de perdoar minhas expressões um tanto levianas, porque, se eu não tinha razão completamente, bem poderíeis estar um pouco errados.

     Desejo refletir, reconhecer-me definitivamente, e se o resultado de minhas pesquisas sérias me conduzir às vossas ideias, há que esperar, não será mais para me queimar o cérebro.

     Até outra vez, senhores.

1 = Salmodias - maneiras monótonas de recitar, de escrever. 

 Nota do compilador: Louis Claude Joseph Florence Desnoyers foi jornalista e escritor francês (1802-1868).  A obra citada por ele, publicada em folhetins no Le journal des enfants, chamava-se: Les mésaventures de Jean-Paul Choppart (As desventuras de Jean-Paul Choppart, que obtiveram enorme êxito).

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