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Allan Kardec e sua esposa Amélie Gabrielle Boudet       

 

O ESPIRITISMO E A LITERATURA

(Mensagem do Espírito Allan Kardec - 14/9/1869 (167 dias após o seu desencarne) - Revista Espírita  1869).                    

     O Espiritismo é, de sua própria natureza, modesto e pouco rumoroso. Ele existe pelo poder da verdade e não pelo barulho feito em seu redor por adversários e partidários. Utopia ou sonho de uma imaginação desordenada, após um breve sucesso ele teria desaparecido sob a conspiração do silêncio, ou melhor ainda, sob a do ridículo, que, segundo se pretende, tudo aniquila em França. Mas o silêncio só destrói as obras sem consistência e o ridículo só mata o que é mortal. Se o Espiritismo sobreviveu, embora nada atenha feito para escapar às ciladas de toda espécie que lhe armaram, é por não ser obra de um homem nem de um partido, mas o resultado da observação dos fatos e da coordenação metódica das leis universais. Supondo-se que os seus adeptos humanos desapareçam, que as obras que o erigiram em corpo de doutrina sejam destruídas, ele ainda sobreviveria por tão longo tempo quanto a existência dos mundos e das leis que os regem.

     Alguém é materialista, católico, muçulmano ou livre-pensador por sua vontade ou sua convicção; mas basta existir para ser espírita ou estar sujeito ao Espiritismo. Pensar, refletir, viver, são realmente atos espíritas, e por estranha que pareça esta pretensão, ela prontamente se justifica após alguns minutos de exame por aqueles que admitem uma alma, um corpo e um intermediário entre essa alma e esse corpo; pelos que, como Pascal e Louis Blanc, consideram a Humanidade como um homem que vive para sempre e aprende sem cessar; pelos que, como La Liberté, admitem que um homem possa viver sucessivamente em dois séculos diferentes e exercer sobre as instituições e a Filosofia do seu tempo, respectivamente, uma influência da mesma natureza.

     Quer se aceite ou não, pensar, ouvir a voz interior da meditação, não é praticar um ato espírita, se o Espírito realmente existe? Viver, ou seja, respirar, não é fazer o corpo sentir uma impressão que se transmite ao Espírito por meio do perispírito? Admitir esses três princípios constitutivos do ser humano é admitir uma das bases fundamentais da Doutrina, é ser espírita ou pelo menos ter um ponto de contato com o Espiritismo, uma crença em comum com os espíritas.

     Entrai para o nosso meio abertamente ou pela porta oculta, senhores Sábios, isso pouco importa, desde que entreis! A Doutrina vos penetra desde agora, e, como a mancha de azeite, se amplia e cresce sem cessar. Vós sois dos nossos, porque a Ciência humana entra em pleno voo nos domínios da Filosofia e a Filosofia Espírita admite todas as conclusões racionais da Ciência. Sobre esse terreno comum, quer aceiteis ou não, quer deis às vossas concessões um nome qualquer, estareis conosco e a forma não nos importa, se o fundo é o mesmo.

     Estais bem perto de crer e sobretudo de vos convencer, Senhor De Girardin, que achastes conveniente emprestar ao Espiritismo as suas palavras, as suas formas e os seus princípios fundamentais, para interessar aos vossos leitores! E vós todos, poetas, romancistas, literatos, não sois um pouco espíritas, quando vossos personagens sonham com um passado que jamais conheceram, quando reconhecem lugares que jamais visitaram, quando a simpatia ou antipatia surgem entre eles ao primeiro contato? Fazeis com o Espiritismo o que os maquinistas de teatro fazem com os cenários: ele é talvez para vós uma forma e engodo, um palco, um quadro. Que nos importa? Vós não popularizais menos os ensinos que encontram eco por toda parte, porque muitos pressentem e aceitam, sem poder defini-los, esses princípios de convicção, sobre os quais as vossas penas sábias ou poéticas lançam a luz da evidência. É uma fonte fecunda o Espiritismo, senhores! É o inexaurível Golconda1 que enriquece o espírito e o coração dos escritores que o exploram e dos que leem as suas produções! Obrigado, senhores! Vós sois nossos aliados, sem querer, talvez sem saber, mas nós vos deixamos o julgamento das próprias intenções, para só apreciarmos os resultados.

     Lamentava-se a falta de meios de propagação. O número de médiuns diminuía, o seu zelo se esfriava. Mas agora não é a poesia da moda, o literato de que se compram as obras, o sábio encarregado de esclarecer as inteligências, os que popularizam e propagam por toda parte a nova convicção?

     Oh, não temei mais pelo futuro do Espiritismo! Criança, ele escapou a todos os cercos do inimigo; adolescente, e adotado de bom ou mau grado pela Ciência e a Literatura, ele não cessará a sua marcha invasora enquanto não houver inscrito, em todos os corações, os princípios regeneradores que restabelecerão a paz e a harmonia por toda a parte onde reinam a desordem e as dissensões internas.

INÍCIO

1 - Golconda = Mina de riqueza                                                                          PRÓXIMO