O FENÔMENO DE PREVORST

(Dr. Justinus Kerner – Obra: A Vidente de Prevorst).  

Foto de atriz representando a Vidente de Prevorst - Autor Gabriel Von Max        

 

     Nota do compilador: Dr. Kerner comenta como era a Vidente de Prevorst. Segundo a Doutrina Espírita, nos estudos relativos à Mediunidade levados a efeito por Kardec e posteriormente por outros estudiosos, a Vidente mantinha-se prostrada o tempo todo justamente por não ter o entendimento de como lidar com a sua Mediunidade. Hoje, seguramente, um médium nas circunstâncias dela, pode levar a vida normalmente, desde que saiba o porquê e de como atuar no seu cotidiano.

     Muito tempo antes do começo do meu tratamento, a Sra. Hauffe era de tal forma sonâmbula, que ficamos convencidos de que o seu período de vigília era aparente. Não há dúvida de que ela estava então mais bem acordada que os que a rodeavam, porque aquele estado, ainda que o não considerem assim, era o da mais perfeita vigília. Nele não possuía ela força orgânica e dependia completamente dos outros, dos quais recebia a força pelos olhos e pela extremidade dos dedos. Dizia ela que extraía a vida do ar e das emanações nervosas alheias, sem que os outros nada perdessem. Não obstante, afirmam certas pessoas que se sentiam fracas quando ficavam muito tempo perto dela; experimentavam contrações, tremores, sensação de fraqueza nos olhos, na cavidade epigástrica, que ia até ao delíquio. Ela declarava, aliás, que era nos olhos dos homens vigorosos que hauria forças. Recebia mais por parte de parentes que de estranhos, e quando estava inteiramente enfraquecida era naqueles que encontrava alívio. A vizinhança dos fracos e doentes debilitava-a como as flores que perdessem sua beleza e perecessem nas mesmas circunstâncias. Sustentava-se à custa do ar e mesmo nos grandes frios não podia viver sem uma janela aberta.

     Era sensível a quaisquer emanações fluídicas, do que não duvidamos, principalmente das provenientes de metais, plantas, homens e animais. As substâncias imponderáveis, tanto quanto as diferentes cores do prisma, produziam-lhe efeitos sensíveis. Sentia influências elétricas de que não temos a menor consciência. E o que é quase incrível, possuía a noção do sobrenatural ou o conhecimento por inspiração do que um homem houvesse escrito.       

     Seus olhos brilhavam como um luar espiritual que impressionava imediatamente os que a viam, e em tal estado, era mais um espírito que um habitante deste mundo mortal.

     Se quiséssemos compará-la a um ser humano, diríamos que ela estaria nas condições dos que flutuando entre a vida e a morte, mais pertencem ao mundo que vão visitar do que ao mundo que estão por deixar.

     Não se trata apenas de uma figura poética, senão da expressão de um fato. Sabemos que no momento da morte os homens têm muitas vezes reflexos do outro mundo e o provam. Vemos que um Espírito deixa incompletamente o corpo antes de destacado definitivamente do invólucro terrestre. Se pudéssemos manter durante anos uma pessoa em estado de morte iminente, obteríamos a imagem fiel do estado da Sra. Hauffe. Não é simples suposição, mas a verdade exata.

     Ela achava-se muitas vezes nesse estado em que se tem a faculdade de ver Espíritos, perceber o Espírito fora do corpo, como se ele estivesse envolto em ligeira gaze. E via-se desdobrada. Dizia então:

     “- Parece que saio de meu corpo e plano acima dele, e faço reflexões sobre ele. Não me traz isto agradáveis pensamentos, pois reconheço que o corpo é meu.

     Se minha alma estivesse mais estreitamente ligada à força vital, esta ficaria em união mais íntima com os meus nervos; mas os laços que retêm minha força vital afrouxam-se cada vez mais.”

     Parecia de fato que a força vital estava tão debilmente retida pelo sistema nervoso, que o menor movimento bastaria para pô-la em liberdade. Via-se ela então fora do corpo e este perdia toda a noção de peso.

     A Sra. Hauffe não recebeu instrução nem notas de habilitação. Não conhecia Línguas, História, Geografia, História Natural, não possuía as noções comuns de seu sexo. Durante longos anos de sofrimento, a Bíblia e o Livro dos Salmos eram o seu único estudo. Incontestável a sua moralidade; piedosa sem hipocrisia; considerava seus longos sofrimentos e estranhas condições como um desígnio de Deus, e exprimia em poesia os seus sentimentos.

     Como costumo escrever versos, logo disseram que era eu que lhe comunicava essa faculdade por minha força magnética; ela porém já falava em verso antes de eu conhecê-la e não é sem razão que chamaram Apolo o deus dos médicos, dos poetas e dos profetas. O sonambulismo dá faculdade de profetizar, de curar, de compor poesia. Os antigos fizeram uma justa ideia do sonambulismo e nós o envolvemos em todos os mistérios. Galeno, o grande médico, teve mais êxitos com os sonhos do que com toda a sua ciência médica. Conheço uma camponesa que não sabe escrever, mas que em estado sonambúlico se exprime em verso.

     Os erros que o mundo espalhou à conta da Sra. Hauffe são inconcebíveis: nunca vi mais sonora prova do pendor para a calúnia que nesta circunstância. Ela gostava de dizer:

     “- Eles têm poder sobre meu corpo, nunca porém sobre meu Espírito.” Entretanto, o maior número de pessoas que, por curiosidade, lhe rodeavam o leito, causavam-lhe grandes aborrecimentos. Recebia a todos graciosamente, posto que a fadiga que provocavam lhe ocasionasse muitos sofrimentos; e defendia os que mais a caluniavam. Recebia bem os bons e os maus. Percebia as más intenções, porém não as julgava. Muitos pecadores incrédulos que vinham vê-la emendavam-se e foram levados a crer na vida futura.

     Muitos anos antes de ter sido confiada a meus cuidados, a terra, o ar, tudo o que aí respira, sem excetuar a espécie humana, não existia para ela. Aspirava a muito mais do que lhe podiam dar os mortais; queria outros céus, outros alimentos, outra atmosfera que o planeta não lhe podia oferecer. Vivia quase em estado de Espírito e já pertencia ao mundo dos Espíritos. Fazia parte do Além e já estava meio morta.

     É extremamente provável que fosse possível, nos primeiros anos de sua doença, por um tratamento hábil, pô-la em um estado que lhe permitisse  viver nas condições ordinárias do mundo; mas já no último período era impossível. Entretanto, graças aos nossos cuidados, conseguimos para ela tal melhora que, a despeito dos esforços para envenenar-lhe a existência, ela considerou os anos passados em Weinsberg como os menos penosos de sua vida sonambúlica.

     Como dissemos, seu corpo frágil envolvia um Espírito como um véu de gazes. Era pequena; seus traços lembravam o Oriente; tinha os olhos penetrantes e proféticos e a expressão avivada por longos cílios pretos. Flor delicada, vivia dos raios do Sol.

     Eschenmayer diz a seu respeito nos Mistérios: “Suas disposições naturais eram doces, amáveis, sérias. Sentia-se sempre conduzida para a contemplação e para a prece. Havia algo de espiritual na expressão dos olhos, sempre claros e brilhantes, apesar do sofrimento; de grande mobilidade durante a conversa, tornavam-se subitamente fixos; e via-se por este sinal, que ela estava em presença de uma de suas estranhas aparições. Em tais condições proferia palavras rápidas.

     “Quando a vi pela primeira vez, sua vida física não prometia longa duração, e ela abandonara a esperança de alcançar um estado que a pudesse manter no mundo.

     “Embora nenhuma função estivesse alterada, sua vida era uma tocha que se extinguia, uma presa entre as garras da morte e sua alma só se ligava ao corpo pelo poder magnético.

     “Nela, alma e espírito pareciam em constante oposição, de tal sorte que a primeira se conservava ligada ao corpo, enquanto o segundo desprendia as asas e voava a outras regiões.”  PRÓXIMO                                                                                                                     INÍCIO