Flor do sertão do Brasil - Foto iap

REVELAÇÃO ESPÍRITA III

(Autor: Allan Kardec - Revista Espírita de 1867).   

     31 - Pelas relações que agora o homem pode estabelecer com os que deixaram a Terra, há não só a prova material da existência e da individualidade da alma, mas compreende a solidariedade que liga os vivos e os mortos deste mundo e os deste mundo com os de outros mundos. Conhece a sua situação no mundo dos Espíritos; segue-os nas suas migrações; é testemunha de suas alegrias e de suas penas; sabe porque são felizes ou infelizes e a sorte que o espera a si mesmo, conforme o bem ou o mal que haja feito. Essas relações o iniciam à vida futura, que pode observar em todas as suas fases, em todas as suas peripécias; o futuro não é uma vaga esperança: é um fato positivo, uma certeza matemática. Então a morte nada mais tem de apavorante, porque para ele é a libertação, a porta da verdadeira vida.

     Pelo estudo da situação dos Espíritos, o homem sabe que a felicidade e a infelicidade na vida espiritual são inerentes ao grau de perfeição e de imperfeição; que cada um sofre as consequências diretas e naturais de suas falhas, por outras palavras, que é punido por onde pecou; que essas consequências duram tanto quanto a causa que as produziu; que, assim, o culpado sofreria eternamente, se eternamente persistisse no mal, mas que o sofrimento cessa com o arrependimento e a reparação. Ora, como depende de cada um se melhorar, cada um pode , em virtude de seu livre-arbítrio, prolongar ou abreviar os seus sofrimentos, como o doente sofre os seus excessos até que neles ponha um termo.

     33 - Se a razão repele, como incompatível com a bondade de Deus, a ideia das penas irremissíveis, perpétuas e absolutas, muitas vezes infligidas por uma única falta, suplícios do inferno, que não podem ser abrandados pelo mais ardente e pelo mais sincero arrependimento, ela se inclina ante essa justiça distributiva e imparcial, que todo leva em conta, jamais fecha a porta de retorno e incessantemente estende a mão ao náufrago, em vez de o repelir para o abismo.

     34 - A pluralidade das existências, cujo princípio o Cristo estabeleceu no Evangelho, posto que sem o definir mais que muitos outros, é uma das mais importantes leis reveladas pelo Espiritismo, no sentido em que demonstra a sua realidade e a sua necessidade para o progresso. Por esta lei, o homem se explica todas as aparentes anomalias que apresenta a vida humana; as diferenças de posição social; as mortes prematuras que, sem a reencarnação, tornariam inúteis para a alma as vidas abreviadas; a desigualdade das aptidões intelectuais e morais, pela ancianidade do Espírito, que viveu mais ou menos, mais ou menos aprendeu e progrediu e que, renascendo, traz a aquisição de vidas anteriores.

     35 - Com a doutrina da criação da alma em cada nascimento, cai-se no sistema das criações privilegiadas; os homens são estranhos uns aos outros, nada os une, os laços de família são puramente carnais; não são solidários de um passado em que não existiam. Com o do nada após a morte, toda relação cessa com a vida; não são solidários no futuro. Perpetuando-se as suas relações no mundo espiritual e no mundo corporal pela reencarnação, são solidários no passado e no futuro e a fraternidade tem por base as mesmas leis da natureza; o bem tem um objetivo, o mal as suas inevitáveis consequências.

     36 - Com a reencarnação caem os preconceitos de raças e de castas, pois o mesmo Espírito pode renascer rico ou pobre, grão senhor ou proletário, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. De todos os argumentos invocados contra a injustiça da servidão e da escravatura, contra a sujeição da mulher à lei do mais forte, não há nenhum que sugere em lógica o fato material da reencarnação. Se, pois, a reencarnação funda sobre uma lei da natureza o princípio da fraternidade universal, funda sobre a mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por consequência, o da liberdade.

     Os homens não nascem inferiores e subordinados senão pelo corpo; pelo Espírito são iguais e livres. Daí o dever de tratar os inferiores com bondade, benevolência e humanidade, porque aquele que é nosso subordinado hoje, pode ter sido nosso igual ou nosso superior, talvez um parente ou um amigo e, por nossa vez, poderemos vir a ser subordinado daquele a quem comandamos.

     37 - Tirai ao homem o Espírito livre, independente, sobrevivente à matéria, dele fazeis uma máquina organizada, sem objetivo, sem responsabilidade, sem outro freio senão a lei civil, e boa de explorar como um animal inteligente. Nada esperando após a morte, nada o detém para aumentar os prazeres do presente; se sofre, não tem em perspectiva senão o desespero e o nada como refúgio. Com a certeza do futuro, a de reencontrar os que amou, o medo de rever aqueles a quem ofendeu, todas as suas ideias mudam. Se o Espiritismo não tivesse feito senão tirar o homem da dúvida tocante a vida futura, teria feito mais por seu melhoramento moral do que todas as leis disciplinares que por vezes o contêm, mas não a transformam.

     38 - Sem a preexistência da alma, a doutrina do pecado original não só é inconciliável com a justiça de Deus, que tornaria todos os homens responsáveis pela falta de um só, seria uma insensatez e tanto menos justificável quando a alma não existia na época em que se pretende fazer remontar a sua responsabilidade. Com a preexistência e a reencarnação, ao nascer o homem traz o germe de suas passadas imperfeições, dos defeitos de que se não corrigiu, e que se traduzem por seus instintos inatos, suas inclinações para tal ou qual vício. Aí está o seu verdadeiro pecado original, do qual naturalmente sofre todas as consequências; mas com a diferença capital que sofre a pena de suas próprias faltas e não a da falta de outrem; e esta outra diferença, ao mesmo tempo consoladora, estimulante e soberanamente equitativa, que cada existência lhe oferece os meios de se resgatar pela reparação e de progredir, quer se despojando de alguma imperfeição, quer adquirindo novos conhecimentos e isto até que, tendo-se purificado suficientemente, não mais necessite da vida corporal e possa viver exclusivamente a vida espiritual, eterna e bem-aventurada.

     Pela mesma razão, aquele que progrediu moralmente, renascendo, traz qualidades inatas, como aquele que progrediu intelectualmente. Está identificada com o bem; pratica-o sem esforço, sem cálculo e, por assim dizer, sem nele pensar. O que é obrigado a combater as suas más tendências, ainda está na luta; o primeiro já venceu, o segundo a caminho de vencer. A mesma causa produz o pecado original e a virtude original.

     39 - O Espiritismo experimental estudou as propriedades dos fluidos espirituais e sua ação sobre a matéria. Demonstrou a existência do perispírito, suspeitado desde a antiguidade, e designado por São Paulo sob o nome de Corpo Espiritual, isto é, corpo fluídico da alma após a destruição do corpo tangível. Sabe-se hoje que esse envoltório é inseparável da alma; que é um dos elementos constitutivos do ser humano; que é o veículo de transmissão do pensamento e que, durante a vida do corpo, serve de ligação entre o Espírito e matéria. O perispírito representa um papel importante no organismo e numa porção de afecções que se liga à fisiologia, tanto quanto à psicologia.

     40 - O estudo das propriedades do perispírito, dos fluidos espirituais e dos atributos fisiológicos da alma abre novos horizontes à ciência, e dá a chave de uma porção de fenômenos até agora incompreendidos, por falta do conhecimento da lei que os rege; fenômenos negados pelo materialismo, porque se ligam à espiritualidade, qualificados por outros de milagres ou sortilégios, conforme as crenças. Tais são, entre outros, os fenômenos da dupla vista, da visão à distância, do sonambulismo natural e artificial, dos efeitos psíquicos de catalepsia e da letargia, da presciência, dos pressentimentos, das aparições, das transfigurações, da transmissão do pensamento, da fascinação, das curas instantâneas, das obsessões e possessões, etc. Demonstrando que esses fenômenos repousam em leis naturais quanto os fenômenos elétricos e as condições normais em que se podem reproduzir, o Espiritismo destrói o império do maravilhoso e do sobrenatural e, por conseguinte, a fonte da maioria das superstições. Se faz crer na possibilidade de certas coisas, olhadas por alguns como quiméricas, impede crer em muitas outras, demonstrando a sua impossibilidade e a sua irracionalidade.

     41 - Longe de negar ou destruir o Evangelho, ao contrário o Espiritismo vem confirmá-lo, explicar e desenvolver, pelas novas leis da natureza que ele revela, tudo quanto o Cristo disse e fez; projeta a luz sobre pontos obscuros de seu ensino, de tal modo que aqueles para os quais certas partes do Evangelho eram ininteligíveis, ou pareciam inadmissíveis, as compreendem sem esforço com o auxílio do Espiritismo, e as admitem. Veem melhor o seu alcance e podem separar a realidade da alegoria. O Cristo lhes aparece maior: não é mais um simples filósofo, é um Messias divino.

     42 - Se se considerar, além disso, o poder moralizador do Espiritismo, pelo fim que ele assina a todas as ações da vida, pelas consequências do bem e do mal, que faz tocar com o dedo; a força moral, a coragem, as consolações que dá nas aflições por uma inalterável confiança no futuro, pelo pensamento de ter perto de si os seres que foram amados, a segurança de os rever, a possibilidade de entreter-se com eles, enfim, pela certeza que de tudo quanto se faz, de tudo quanto se adquire em inteligência, em ciência, em moralidade, até a última hora da vida, nada fica perdido, que tudo aproveita ao adiantamento, reconhecer-se-á que o Espiritismo realiza todas as promessas do Cristo a respeito do Consolador anunciado. Ora, como é o Espírito de Verdade que preside ao grande movimento da regeneração, a promessa de seu advento se acha mesmo realizada, porque, de fato, ele é que é o verdadeiro Consolador.

     43 - Se a esses resultados se juntar a incrível rapidez da propagação do Espiritismo, malgrado tudo quanto têm feito para o aniquilar, não se pode discordar que sua vinda seja providencial, pois que ele triunfa de todas as forças e de toda a má vontade humana. A facilidade com a qual é aceito por tão grande número, e isto sem constrangimento e sem outros recursos além do poder da ideia, prova que ele corresponde a uma necessidade: a de crer, depois do vazio cavado pela incredulidade e que, consequentemente, veio em seu tempo.

     44 - Os aflitos são em grande número; assim não é surpreendente que tanta gente acolha uma doutrina que consola, de preferência, as que desesperam. Porque é aos deserdados, mais que aos felizes do mundo, que se dirige o Espiritismo. O doente vê chegar o médico com mais alegria que o que passa bem. Ora, os aflitos são os doentes e o Consolador é o médico. Vós que combateis o Espiritismo, se quiserdes que o deixem para vos seguir, dai  mais e melhor que ele; curai mais seguramente as feridas da alma; fazei como o negociante que, para lutar contra um concorrente, dá mercadoria de melhor qualidade e a menor preço. Dai, pois, mais consolações, mais satisfações do coração, esperanças mais legítimas, certezas maiores; fazei do futuro um quadro mais racional, mais sedutor; mas não penseis em o vencer, vós, com a perspectiva do nada, vós, com a alternativa das chamas do inferno ou da beata e inútil contemplação perpétua. Que diríeis do negociante que chamasse de loucos todos os fregueses que não querem sua mercadoria e vão ao vizinho? Fazeis o mesmo, taxando de loucura e inépcia todos os que não querem vossas doutrinas, que têm a infelicidade de não achar de seu gosto.

     45 - A primeira revelação era personificada em Moisés, a segunda ao Cristo, a terceira não é em nenhum indivíduo. As duas primeiras são individuais, a terceira é coletiva; eis um caráter essencial de grande importância. É coletiva neste sentido que não foi feita por privilégio a ninguém; consequentemente, ninguém pode dizer-se seu profeta exclusivo. Foi feita simultaneamente em toda a Terra, a milhões de pessoas de todas as idades, de todos os tempos e de todas as condições sociais, desde o mais baixo até o topo da escada, segundo esta predição referida pelo autor dos Atos dos Apóstolos: “Nos últimos tempos, diz o Senhor, eu espalharei o meu espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão; os moços terão visões e vossos velhos sonhos”. Ela não saiu de nenhum culto especial, a fim de servir um dia a todos de ponto de ligação.

     46 - Sendo as duas primeiras revelações produto de um ensinamento pessoal, forçosamente foram localizadas, isto é, ocorreram num só ponto, em torno do qual a ideia se espalhou pouco a pouco. Mas foram precisos muitos séculos para que atingissem as extremidades do mundo, sem o invadir inteiramente. A terceira tem isto de particular que, não estando personificada num indivíduo, produziu-se simultaneamente em milhares de pontos diversos, os quais se tornaram centros ou focos de irradiação. Multiplicando-se esses centros, seus ramos se encontram pouco a pouco, como os círculos formados por uma porção de pedras atiradas à água, de tal sorte que, num dado tempo, acabarão cobrindo toda a superfície do globo.

     Tal é uma das causas da rápida propagação da doutrina. Se ela tivesse surgido num só ponto, se tivesse sido obra exclusiva de um homem, teria formado uma seita em seu redor. Talvez mais de meio século tivesse decorrido antes que ela tivesse atingido os limites do país onde surgiu, ao passo que, em dez anos, tem balizas plantadas de um ao outro polo.

     47 - Esta circunstância inaudita na história das doutrinas, dá a esta uma força excepcional e um poder de ação irresistível. Com efeito, se a comprimirem num ponto, num país, é materialmente impossível comprimi-la em todos os pontos, em todos os países. Para um lugar onde for entravada, haverá mil ao lado, onde ela florescerá. Ainda mais, se se o atinge num indivíduo, não é possível atingi-lo nos Espíritos, que são a sua fonte. Ora, como os Espíritos estão em toda a parte e os haverá sempre, se, por impossível, se chegasse a abafá-lo em todo o globo, ele reapareceria algum tempo depois, porque repousa sobre um fato e este fato está na natureza; e não se podem suprimir as leis da natureza. Eis de que se devem persuadir os que sonham com o aniquilamento do Espiritismo.

     48 - Entretanto esses centros disseminados poderiam ter ficado ainda muito tempo isolados, já que alguns são confinados em países distantes. Era preciso entre eles um traço de união, que os pusesse em comunhão de pensamentos com seus irmãos em crença, ensinando-lhes o que se fazia alhures. Esse traço de união, que teria faltado ao Espiritismo na antiguidade, acha-se nas publicações que vão a toda a parte, que condensam, sob uma forma única, concisa e metódica, o ensinamento dado em toda a parte sob formas múltiplas e em línguas diversas.

     49 - As duas primeiras revelações não podiam ser senão o resultado de um ensino direto; deviam impor-se à fé pela autoridade da palavra do mestre, pois os homens não eram bastante adiantados para concorrer para a sua elaboração. Contudo, notemos entre elas uma nuança muito sensível, que diz do progresso dos costumes e das ideias, posto tenham sido feitas no mesmo povo e no mesmo meio, mas a cerca de dezoito séculos de intervalo. A doutrina de Moisés é absoluta, despótica; não admite discussão e se impõe a todo o povo pela força. A de Jesus é essencialmente conselheira; é aceita livremente e não se impõe senão pela persuasão; é controvertida ainda em vida de seu fundador, que não desdenha discutir com os adversários.

     50 - A terceira revelação veio numa época de emancipação e de maturidade intelectual, em que a inteligência desenvolvida não se pode resolver a um papel passivo, em que o homem nada aceita cegamente, mas quer ver aonde o conduzem, saber o porquê e o como de cada coisa; devia ser, ao mesmo tempo, o produto de um ensino e o fruto do trabalho, da pesquisa e do livre exame. Os Espíritos só ensinam justo o que é preciso para pôr no caminho da verdade, mas se abstêm de revelar o que o homem pode achar por si mesmo, deixando-lhe o cuidado de discutir, de controlar e de submeter tudo ao cadinho da razão, muitas vezes até o deixando adquirir experiência à própria custa. Dão-lhe o princípio, os materiais, cabendo-lhe deles tirar proveito e os pôr à obra.

     51 - Tendo os elementos da revelação espírita sido dados simultaneamente numa porção de lugares, a homens de todas as condições sociais e de diversos graus de instrução, é bem evidente que as observações não podiam ser feitas em toda a parte com os mesmos frutos; que as consequências a delas tirar, a dedução das leis que regem essa ordem de fenômenos, numa palavra, a conclusão que devia assentar as ideias, não podiam sair senão do conjunto e da correlação dos fatos. Ora, cada centro isolado, circunscrito num círculo restrito, o mais das vezes não vendo senão uma ordem particular de fato, por vezes de aparência contraditória, geralmente não tratando senão com uma mesma categoria de Espíritos e, mais, entravado por influências locais e pelo espírito de partido, achava-se na impossibilidade material de abarcar o conjunto e, por isso mesmo, impotente para ligar as observações isoladas a um princípio comum. Cada um apreciando os fatos do ponto de vista de seus conhecimentos e de suas crenças anteriores, ou da opinião particular dos Espíritos que se manifestavam, em breve haveria tantas teorias e sistemas quanto centros, e que nenhum poderia ter sido completo, por falta de elementos de comparação e de controle.

     52 - É de notar, ainda, que em parte alguma o ensinamento espírita foi dado de maneira completa. Ele toca tão grande número de observações, em assuntos tão diversos, que tanto exige conhecimentos, quanto aptidões mediúnicas especiais, que teria sido impossível reunir num mesmo ponto todas as condições necessárias. Devendo o ensinamento ser coletivo, e não individual, os Espíritos dividiram o trabalho, disseminando os assuntos de estudo e de observação, como em certas fábricas a confecção de cada parte de um mesmo objeto está distribuída entre vários operários.

     Assim, a revelação se fez parcialmente, em diversos lugares e por uma multidão de intermediários e é desta maneira que prossegue, ainda neste momento, porque nem tudo está revelado. Cada centro encontra nos outros centros o complemento do que recebe; e é o conjunto, a coordenação de todos os ensinamentos parciais que constituíram a doutrina espírita.

     Era, pois, necessário grupar os fatos esparsos, para ter a sua correlação, reunir os documentos diversos, as instruções fornecidas pelos Espíritos em todos os lugares e sobre todos os assuntos, para os comparar, os analisar, estudar as suas analogias e as suas diferenças. Sendo as comunicações dadas por Espíritos de todas as ordens, mais ou menos esclarecidos, era necessário apreciar o grau de confiança, que a razão permite conceder-lhes, distinguir as ideias sistemáticas individuais e isoladas das que tenham a sanção do ensino geral dos Espíritos, as utopias das ideias práticas; eliminar as que eram notoriamente desmentidas pelos dados da ciência positiva e da sadia lógica; utilizar os próprios erros, as informações fornecidas por Espíritos mesmo do mais baixo estágio, para o conhecimento do estado do mundo invisível e disso formar um todo homogêneo. Numa palavra, era preciso um centro de elaboração, independente de toda ideia preconcebida, de todo preconceito de seita, resolvido a aceitar a verdade tornada evidente, ainda que fosse contrária às suas opiniões pessoais. Tal centro formou-se por si mesmo, pela força das coisas, e sem desígnio premeditado.

     53 - De tal estado de coisas resultou uma dupla corrente de ideias: umas, indo das extremidades para o centro, outras do centro para a circunferência. Foi assim que a doutrina marchou rapidamente para a unidade, malgrado a diversidade das fontes de onde ela emanou; que os sistemas divergentes caíram pouco a pouco, pelo fato de seu isolamento, ante o ascendente da opinião da maioria, por não encontrar aí ecos simpáticos. Desde então estabeleceu-se entre os vários centros uma comunhão de pensamentos; falando a mesma linguagem espiritual, eles se compreendem e se simpatizam de um extremo ao outro do mundo.

     Os Espíritas acharam-se mais fortes, lutaram com mais coragem e marcharam com passo mais firme, quando não mais se viram isolados, quando sentiram um ponto de apoio, um elo que os ligam à grande família. Os fenômenos que testemunhavam já lhes não pareceram estranhos, anormais, contraditórios, quando os puderam ligar às leis gerais de harmonia, abarcar de um golpe de vista o edifício, e ver em todo esse conjunto um objetivo grande e humanitário.

     54 - Não há qualquer ciência que tenha saído com todas as peças do cérebro de um homem. Todas, sem exceção, são o produto de observações sucessivas, apoiando-se em observações precedentes, como num ponto conhecido para chegar ao desconhecido. Foi assim que os Espíritos procederam para com o Espiritismo. Eis porque o seu ensino é graduado. Eles não abordam as questões senão à medida que os princípios sobre os quais elas se devem apoiar estão suficientemente elaborados, e que a opinião está madura para os assimilar. É mesmo notável que todas as vezes que os centros particulares quiseram abordar questões prematuras, só obtiveram respostas contraditórias não concludentes. Quando, ao contrário, era chegado o momento favorável, o ensinamento é idêntico em toda a linha, na quase universalidade dos centros.

     Contudo, entre a marcha do Espiritismo e a das ciências há uma diferença capital: é que estas não atingiram o ponto onde chegaram senão depois de longos intervalos, ao passo que ao Espiritismo bastaram apenas alguns anos, senão para atingir o ponto culminante, ao menos para recolher uma soma bastante grande de observações próprias para constituir uma doutrina. Isto se deve a inumerável multidão de Espíritos que, pela vontade de Deus, se manifestaram simultaneamente, trazendo cada um o contingente de seus conhecimentos. Disso resultou que todas as partes da doutrina, em vez de serem elaboradas sucessivamente, durante vários séculos, o foram mais ou menos simultaneamente, em alguns anos e que bastou grupá-las para que formassem um todo.

     Quis Deus que assim fosse, primeiro para que o edifício chegasse mais rapidamente à cumeeira; em segundo lugar, para que se pudesse, pela comparação, ter um controle, por assim dizer, imediato e permanente na universalidade do ensinamento, cada parte só tendo valor e autoridade pela conexão com o conjunto, devendo todas se harmonizar e cada uma chegar a seu tempo e ao seu lugar. Não confiando a um só Espírito o cuidado da promulgação da doutrina, quis, além disso, que o menor, como o maior, entre os Espíritos como entre os homens, trouxesse sua pedra ao edifício, a fim de estabelecer entre eles um laço de solidariedade cooperativa, que faltou a todas as doutrinas saídas de uma fonte única. Por outro lado, cada Espírito, assim como cada homem, tendo apenas uma soma limitada de conhecimentos, eram individualmente inábeis para tratar ex-professo(*) as inúmeras questões em que toca o Espiritismo. Eis, igualmente por que a doutrina, para realizar os pontos de vista do Criador, não podia ser obra nem de um só Espírito, nem de um só médium; não podia sair senão da coletividade dos trabalhos controlados uns pelos outros.

     55 - Um último caráter da revelação espírita, e que ressalta das condições mesmas em que ela é feita, é que, apoiando-se nos fatos, é, e não pode deixar de ser essencialmente progressiva, como todas as ciências de observação. Por sua essência, contrai aliança com a ciência que, sendo a exposição das leis da natureza, numa certa ordem de fatos, não pode ser contrária à vontade de Deus, o autor dessas leis. As descobertas da ciência glorificam a Deus, em vez de o humilhar; elas não destroem senão o que os homens construíram sobre as ideias falsas que fizeram de Deus.

     O Espiritismo, então, não estabelece como princípio absoluto senão o que é demonstrado com evidência, e o que ressalta logicamente da observação. Tocando em todos os ramos da economia social, aos quais dá o apoio de suas próprias descobertas, ele assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, sejam de que ordem sejam, chegadas ao estado de verdades práticas e saídas do domínio da utopia, sem o que suicidar-se-ia. Cessando de ser o que é, mentiria à sua origem e ao seu objetivo providencial. Marchando com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque se novas descobertas lhe demonstrarem que está em erro num ponto, modificar-se-á nesse ponto; se uma nova verdade se revelar, aceitá-la-á.

Nota do compilador: ex-professo= como quem conhece a fundo a questão.

           INÍCIO

                                                            REVELAÇÃO ESPÍRITA IV