Monumento de D. Quixote e seu companheiro Sancho Pança, personagens do livro Dom Quixote de la Mancha, obra esta considerada a melhor de ficção de todos os tempos. Foto iap.

 

VISÃO DOS ESPÍRITOS

(Obra: A Vidente de Prevorst - Autor: Justinus Kerner).   

Obs.: Estas são algumas informações da Vidente de Prevorst inseridas no livro de mesmo nome editado pela editora O Clarim. (www.oclarim.com.br)  

     Infelizmente, minha alma e meu espírito veem do mundo espiritual os que estão na terra; noto-os isolados e muitas vezes em multidão, com diferentes naturezas, assim como as almas dos mortos.

     Uns ficam distantes, outros vêm a mim; converso e convivo com eles durante meses. Diviso-os em ocasiões diversas, de dia, à noite, quando estou só ou acompanhada. Sinto-me perfeitamente acordada e não estou em condições de poder chamá-los. Vejo-os quando estou doente ou quando estou sã, forte ou fraca, alegre ou triste, distraída ou séria, e não os posso afastar.

     Não estão sempre comigo. Dirigem-se para onde bem lhes parece, como visitantes mortais, quer eu esteja em estado espiritual ou corporal. No mais calmo e mais normal dos sonos eles me acordam, não sei como, mas sinto que estou acordada para eles e que teria continuado a dormir se eles não viessem para junto da cama.

     Já observei que, quando um Espírito me visita à noite, os que dormem no mesmo quarto que eu, são advertidos em sonho, de sua presença; falam da aparição que viram, apesar de eu não lhes ter dito nada. Enquanto os Espíritos estão comigo, continuo a ver e ouvir como de ordinário tudo o que se passa em torno, e posso pensar em outras coisas. Poderia desviar a vista, mas é difícil; sinto uma espécie de laço magnético entre mim e eles. Aparecem-me como espessa nuvem através da qual se podem ver, embora eu não o consiga.

     Nunca observei que produzissem sombra; vejo-os melhor à luz do Sol ou da Lua, que na obscuridade. Não sei porém se nesta os deixaria de ver. Se um objeto se coloca entre nós, não os vejo mais. Não os posso perceber de olhos fechados, nem quando viro a cabeça; mas a presença deles me é tão sensível que designo onde se acham. Ouço-os falar, mesmo quando tapo os ouvidos. Não posso suportar que se aproximam porque me causam sensação de fraqueza. Certas pessoas junto de mim sentem a sua presença, mesmo que não as vejam; acusam tendência ao desfalecimento e queixam-se de constrição e opressão nervosa. Os animais experimentam os mesmos efeitos.

     O aspecto dos Espíritos é o que tinham em vida, mas parecem acinzentados e as vestimentas vaporosas. Os mais brilhantes e felizes trazem roupas diversas. Uns usam uma veste longa, flutuante e brilhante, com uma cinta. Os traços dos espectros são os que tinham em vida, porém vagos e obscuros; os olhos brilham como uma chama; nunca vi os cabelos. Os espíritos femininos têm o mesmo penteado, ainda que conservem o que possuíam. Isto sucede por uma espécie de véu que lhes cobre a fronte e disfarça os cabelos. Os fantasmas dos bons parecem brilhantes; os maus são escuros.

     Não afirmo mas penso que os meus sentidos não os podem perceber de outra forma. Caminham como os vivos; só os mais elevados parecem flutuar, enquanto os maus se arrastam pesadamente; seus passos puderam ser ouvidos por mim e pelos que estavam perto. Têm meios de atrair a atenção por outros sons além da palavra, e empregam essa faculdade para os que não os podem ver nem ouvir-lhes a voz. Os ruídos consistem em suspiros, choques, queda de areia ou saibro, machucamento de papel, o rolar de uma bola, assobios...

     São capazes de mover objetos pesados, de abrir e fechar portas, apesar de poder atravessá-las, assim como as paredes. Noto que quanto mais escuro é um fantasma, mais forte é a sua voz e parece possuir o poder de produzir qualquer espécie de ruídos e outros fenômenos físicos. Os sons que produzem são devidos ao ar e ao fluido nervoso que conservam consigo. Nunca vi um espírito quando produzia sons que não fosse a palavra, donde concluí que o não podem fazer de maneira visível. Nunca os notei abrindo ou fechando portas, mas ó imediatamente depois. Movem os lábios quando falam, e suas vozes são tão variadas como as dos vivos. Não podem responder a todas as minhas perguntas. Os espíritos perversos respondem com mais facilidade, mas evito entrar em conversa com eles. Posso repeli-los por meio de uma palavra escrita, empregada como amuleto e da mesma forma desembaraço outras pessoas.

     Vi Espíritos e sobretudo os obscuros, acolherem minhas palavras com unção, e se tornarem logo brilhantes, mas isto me enfraquecia. Os espíritos felizes me fortificavam e proporcionavam sensações inteiramente diversas dos outros.

     Notei que os Espíritos felizes tinham tanta dificuldade em responder às questões relativas aos interesses terrenos quanto os maus em tratar das questões espirituais. Os primeiros não pertencem mais à Terra, os segundos não conhecem ainda o Céu. Não me acho em estado de conversar com espíritos elevados ou santos e apenas me aventuro a algumas perguntas. Disseram-me que quando eu dormia, falava muitas vezes com meu espírito protetor, que está entre os santos; não sei se será assim.

     Vêm a mim principalmente os espíritos de graus inferiores, da região média, que pertencem à nossa atmosfera; o termo de região média é impróprio, seria melhor dizer – morada forçada. São os Espíritos que aqui permanecem por atração do mundo ou ligação a ele, os que não acreditam na Redenção ou ainda os que, no momento da morte, ficam perturbados por suas ocupações terrenas, as quais os impedem de voar para as regiões superiores.

     Encontram-se nas regiões médias muitos Espíritos não condenados, mas que ainda não podem ser colocados entre os santos. Os Espíritos purificados ocupam os mais altos graus; os de grau inferior ainda estão expostos ao mal, o que não acontece nos graus superiores: aí gozam para sempre da felicidade celeste e da pureza dos santos.

     Não se pense que a melhoria se faz lá mais facilmente; ela tem que ser extraída do esforço próprio. Lá não se encontram as distrações e dissipações do mundo. A vida do pecado se apresenta sob um signo com caracteres. Cabe escolher.

     Os Espíritos de graus inferiores são mais pesados e estão em perpétuo crepúsculo; nada lhes vem alegrar os olhos. A obscuridade não promana dos lugares em que estão, senão do estado de suas almas. Não lhes é visível a órbita do sol, e apesar de estarem em nossa atmosfera, nada veem dos objetos terrestres. Só à custa do progresso obtêm a luz e a faculdade de ver.

     Logo que a luz lhes brilha na alma podem deixar a nossa atmosfera; são os que vêm a mim, porque infelizmente os posso ver e ser vista por eles. E vêm para que eu ore e os console. Outros têm a convicção errônea de que a confissão de algum crime que lhes pesa na consciência possa trazer-lhes repouso. Levados por esse erro preocupa-os muitas vezes mais uma única malfeitoria que o resto de suas faltas. Outros me procuram por não se poderem desembaraçar de pensamentos e sentimentos que os seguem na morte. Melhor faria se se dirigissem aos santos, mas seu peso os arrasta antes para os homens do que para os Espíritos. Eu os vejo independente de minha vontade.

     Essas revelações parecerão incríveis e absurdas, sobretudo aos que supõem que os Espíritos devem saber mais que os homens. Responderei que isto não se dá com os Espíritos de que falo. Eles são de condição inferior; enfronhados no erro podem, com mais facilidade, entreter-se com os homens por afinidade nervosa.

     Um Espírito que viveu nas trevas aqui na Terra continua obscuro na morte. Um fraco se torna ainda mais fraco quando privado do sustentáculo da alma, que lhe serve apenas de sudário; ou antes a sua fraqueza evidencia-se quando ele fica isolado e sem apoio. Um homem culpado e unicamente preocupado com o mundo, pode brilhar na Terra por sua inteligência, mas seu Espírito não deixa de ser fraco e escuro, e perde a vida interior. Sucede, assim, que no mundo dos Espíritos um tal se apresenta inferior, de baixa condição, como não o deixaria supor no mundo intelectual a sua alma arrogante e sua velhacaria.

     Se um homem cultivou a alma, o espírito não pode, na morte, cair em estado de embrutecimento e fraqueza. Por cultura entendemos algo mais elevado do que o compreende o comum dos homens. Mesmo nos Espíritos fracos, exceto os que se entregam inteiramente ao mal, não se extingue por completo a centelha celeste. Procuram elevar a alma até que se purifique. Os Espíritos, purificando-se, gozam de certa felicidade na região média, e podem subir, sem chegar ao Além. Seus fantasmas e suas roupas me aparecem luminosos: estão espiritualizados.

     A faculdade de ver Espíritos encontra-se em todos; mas é momentânea; pode ser desenvolvida por algo que evoque o homem interior.

     Perguntei um dia a um fantasma se os seres humanos crescem depois da morte, porque vi alguns mortos na primeira infância que me pareciam ter crescido. Ele respondeu:

     - Sim, quando são levados da Terra antes de terem atingido todo o crescimento. A alma amplia o seu invólucro até que tenha atingido o talhe necessário. Ela é tão brilhante nas crianças como nos bem-aventurados.                                  INÍCIO