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VIÚVA  FOULON

(Espírito viúva Foulon - Revista Espírita de 1865).   

     O jornal le Siècle, na seção de necrologia de 13 de fevereiro de 1865, publicou a nota seguinte, reproduzida pelo jornal do Havre e pelo de Antibes:

     “Uma artista amada e apreciada no Havre, a Sra. Viúva Foulon, hábil miniaturista, faleceu em Antibes a 3 de fevereiro, onde tinha ido buscar, num clima mais suave, o restabelecimento da saúde, alterada pelo trabalho e pela idade”.

     Tendo conhecido pessoalmente e muito intimamente a Sra. Foulon, sentimo-nos felizes por poder completar a justa, mas curtíssima notícia acima. Nisto cumprimos um dever de amizade e, ao mesmo tempo, prestamos uma homenagem merecida às virtudes ignoradas e a um salutar exemplo para todo o mundo e para os Espíritas em particular, que aqui encontrarão preciosos ensinamentos.

     Como artista, a Sra. Foulon tinha um talento notável: suas obras, justamente apreciadas em muitas exposições, lhe valeram numerosas recompensas honoríficas. É, sem dúvida, um mérito, mas que nada tem de excepcional. O que a fazia, amar e estimar, o que torna sua memória cara a todos os que a conheceram, é a amenidade de seu caráter; são suas qualidades privadas, cuja extensão só podiam apreciar os que conheciam sua vida íntima. Porque, como todos aqueles nos quais é inato o sentimento do bem, ela não os exibia e nem mesmo os suspeitava. Se há alguém sobre quem o egoísmo não tinha o menor domínio, era ela, sem dúvida; talvez jamais o sentimento de abnegação pessoal foi mais longe; sempre pronta a sacrificar o repouso, a saúde, os interesses por aqueles a quem podia ser útil, sua vida não foi senão uma longa série de dedicações, assim como não foi, desde a juventude, senão uma longa série de rudes e cruéis provações ante as quais a sua coragem, sua resignação e sua perseverança jamais faliram. Não lhe tendo deixado os reveses da fortuna senão o talento como único recurso, foi só com os pincéis, quer dando lições, quer fazendo retratos, que educou uma numerosa família e assegurou uma honrosa posição a todos os filhos. É preciso ter conhecido sua vida íntima para saber tudo o que suportou de fadigas e privações, todas as dificuldades contra as quais teve de lutar para atingir o seu objetivo. Mas, ah! sua vista, gasta pelo trabalho fatigante da miniatura, extinguia-se dia a dia; ainda mais algum tempo, e a cegueira, já avançada, teria sido completa.

     Quando, há alguns anos, a Sra. Foulon teve conhecimento da doutrina espírita, foi para ela um traço de luz. Pareceu-lhe que um véu levantava sobre algo que lhe não era desconhecido, mas de que tinha apenas uma vaga intuição. Então o estudou com ardor, mas ao mesmo tempo com essa lucidez de espírito, essa justeza de apreciação, que era peculiar à sua alta inteligência. É necessário conhecer todas as perplexidades de sua vida, perplexidade que sempre tinha por móvel, não ela própria, mas os seres que lhe eram caros, para compreender todas as consolações que obteve nesta sublime revelação, que lhe dava uma fé inabalável no futuro, e lhe mostrava o nada das coisas terrenas. Sem o respeito devido às coisas íntimas, quão grandiosos ensinamentos sairiam do último período desta vida tão fecundo em emoções! Assim, não lhe faltou a assistência dos bons Espíritos; as instruções e os ensinamentos que houveram por bem prodigalizar a essa alma de escol formam uma coletânea das mais edificantes, mas toda íntima, da qual tivemos, mais uma vez, a felicidade de ser o agente provocador. Assim sua morte foi digna de sua vida. Ela os via aproximar-se sem nenhuma apreensão penosa: para ela era a libertação dos laços terrenos que devia abrir-lhe essa vida espiritual bem-aventurada, com a qual se havia identificado pelo estudo do Espiritismo.

     Morreu com calma, porque tinha consciência de ter cumprido a missão que tinha aceitado ao vir à Terra, de ter escrupulosamente cumprido os seus deveres de esposa e de mãe de família. Porque, também, durante a vida, tinha abjurado todo ressentimento contra aqueles dos quais podia lastimar-se e que a tinham pago com a ingratidão; tinha sempre pago o mal com o bem e deixou a vida os perdoando, guardando para si a bondade e a justiça de Deus. Enfim, morreu com a serenidade que dá uma consciência pura, e a certeza de estar menos separada de seus filhos que durante a vida corporal, pois de agora em diante poderá estar com eles em Espírito, em qualquer ponto do globo onde se achem, ajudá-los com seus conselhos e estender-lhes a sua proteção. Agora, qual a sua sorte no mundo onde se encontra? Os Espíritas já o pressentem. Deixemos, porém, que ela mesma dê conta de suas impressões.

     Como se viu, ela morreu a 3 de fevereiro; recebemos a notícia a 6; e o nosso primeiro desejo foi entreter-nos com ela, se fosse possível. No momento estávamos bem doente, o que explica algumas de suas palavras. É de notar que o médium não a conhecia e ignorava as particularidades de sua vida, da qual ela fala espontaneamente. Eis sua primeira comunicação de 6 de fevereiro:

     “Estava certa de que teríeis o pensamento de me evocar logo após o meu trespasse e mantinha-me pronta a vos responder, pois não conheci a perturbação. Só os que têm medo são envolvidos por suas espessas trevas.

     Então, meu amigo, agora estou feliz; estes pobres olhos que se tinham enfraquecido e só me deixavam a lembrança dos prismas que tinham colorido minha juventude com seu brilho cambiante, abriram-se aqui e reencontraram os esplêndidos horizontes que, em suas vagas reproduções, alguns dos vossos grandes artistas idealizam, mas cuja realidade majestosa, severa e, contudo, cheia de encantos, é marcada pela mais completa realidade.

     Apenas há três dias estou morta, e sinto que sou artista. Minhas aspirações para o ideal da beleza na arte não eram senão a intuição de uma faculdade que eu tinha estudado e adquirido em outras existências e que se desenvolveram na última. Mas que tenho a fazer para reproduzir uma obra-prima digna da grande cena que fere o espírito ao chegar à região da luz! Pincéis! Pincéis! E provarei ao mundo que a arte espírita é o coroamento da arte pagã, da arte cristã que periclita e que só ao Espiritismo está reservada a glória de fazer reviver em todo o seu brilho no vosso mundo deserdado.

     Basta para a artista. É a vez da amiga.

     Porque, boa amiga (Sra. Allan Kardec), vos afetar assim pela minha morte? Sobretudo vós, que conheceis as decepções e as amarguras de minha vida, deveríeis alegrar-vos, ao contrário, por ver que agora não mais devo beber a taça amarga das dores terrenas, que esvaziei até as fezes. Crede-me, os mortos são mais felizes que os vivos e chorá-los é duvidar da verdade do Espiritismo. Tende certeza de que me revereis; parti primeiro, porque aqui embaixo minha tarefa estava acabada; cada um tem a sua a cumprir na Terra e, quando a vossa estiver acabada, vireis repousar um pouco junto a mim, para recomeçar em seguida, se preciso, visto como não está na natureza ficar inativo. Cada um tem suas tendências e a elas se curva; é uma lei suprema, que prova o poder do livre-arbítrio. Assim, boa amiga, indulgência e caridade, pois todos necessitamos, reciprocamente, quer no mundo visível, quer no invisível. Com tal divisa, tudo vai bem.

     Não me diríeis que pare. Sabeis que falo longamente pela primeira vez! assim vos deixo. É a vez do meu excelente amigo Sr. Kardec. Quero vos agradecer as afetuosas palavras que teve a bondade de dirigir a amiga que vos precedeu no túmulo. Porque deixamos de partir juntos para o mundo onde me encontro, meu bom amigo! (Tínhamos adoecido a 31 de janeiro). Que teria dito a bem amada companheira dos vossos dias, se os bons Espíritos não tivessem nisto posto boa ordem? então ela teria gemido e chorado! eu o compreendo; mas, também, é preciso que ela vele para que não vos exponhais de novo ao perigo antes de ter acabado o vosso trabalho de iniciação espírita, sem o que vos arriscais a chegar entre nós demasiado cedo, e não ver, como Moisés, a Terra Prometida senão de longe. Mantende-vos em guarda: é uma amiga quem vos previne.

     Agora me vou. Volto para junto de meus caros filhos; depois vou ver, além dos mares, se minha ovelha viajante enfim chegou ao porto, ou se é joguete da tempestade. Que os bons espíritos a protejam. Vou juntar-me a eles para isto. Voltarei a conversar convosco, pois sou uma faladora infatigável. Vós vos lembrais. Até à vista, bons e caros amigos. Até breve”.

OBS.: Sua ovelha viajante é uma de suas filhas, residente na América, que acabava de fazer longa e penosa viagem.

     Não se teme a morte senão pela incerteza do que se passa nesse momento supremo e pelo que será de nós no além. A crença vaga na vida futura nem sempre basta para acalmar a apreensão do desconhecido. Todas as comunicações que visam iniciar-nos aos detalhes e impressões da passagem tendem a dissipar esse medo, por isto que nos familiarizaram e nos identificam com a transição que em nós se opera. Deste ponto de vista, os da Sra. Foulon e as do Dr. Demeure, que vão adiante, são eminentemente instrutivas. A situação dos Espíritos após a morte é essencialmente variável, segundo a diversidade de aptidões, qualidades e caráter de cada um. Assim, é pela multiplicidade dos exemplos que se pode chegar a conhecer o estado real do mundo invisível. (Allan Kardec). 

Em 8 de fevereiro de 1865, o Espírito viúva Foulon voltou a expressar-se, espontaneamente: 

     “ Eis-me entre vós, mais cedo do que pensava e muito feliz por vos rever, sobretudo agora que estais melhor e que em breve, assim o espero, estareis completamente restabelecido. Mas quero que me dirijais as perguntas que vos interessam; responderei melhor. Sem isto, arrisco-me a falar convosco por diversas vezes, e é necessário que falemos de coisas puramente sérias. Não é, meu bom mestre espírita?

     - Cara Sra. Foulon, estou contente com a comunicação que destes o outro dia, e com a promessa de continuar nossas palestras. Eu vos reconheci perfeitamente na comunicação. Ali falais de coisas desconhecidas do médium, e que não podem vir senão de vós. Depois, vossa linguagem afetuosa a nosso respeito é bem a de vossa alma amorosa; mas há em vossa linguagem uma segurança, um aprumo, uma firmeza que não conhecia em vossa vida. Sabeis que a este respeito eu me permiti mais de uma advertência com certas circunstâncias.

     - É verdade. Mas desde que me vi gravemente doente, recobrei a firmeza de espírito, perdida pelas mágoas e as vicissitudes que, por vezes, me tinham, em vida, tornado medrosa. Disse-me: Tu és espírito; esquece a Terra; prepara-te para a transformação de teu ser e vê, pelo pensamento, o caminho luminoso que tua alma deve seguir, ao deixar o corpo, e que a conduzirá, feliz e liberta, às esferas celestes onde viverás daqui em diante.

     Dir-me-eis que era um pouco presunçoso de minha parte contar com uma felicidade perfeita ao deixar a Terra; mas eu tinha sofrido tanto que devia ter expiado minhas faltas desta existência e das precedentes. Esta intuição não me havia enganado e foi ela que me deu coragem, calma e firmeza nos últimos instantes. Essa firmeza naturalmente aumentou quando, após o meu trespasse, vi minhas esperanças realizadas.

     - Podeis descrever agora vossa passagem, o despertar e as primeiras impressões?

     - Sofri, mas meu Espírito era mais forte que o sofrimento material, que o desprendimento o fazia experimentar. Encontrei-me, após o supremo suspiro, como em síncope, sem consciência de meu estado, não pensando em nada, e numa vaga sonolência, que nem era sono do corpo, nem despertar da alma. Fiquei assim bastante tempo; depois como se saísse de um longo desmaio, despertei pouco a pouco entre irmãos que não conhecia. Eles me prodigalizavam cuidados e carícias; mostravam-me um ponto no espaço, que parecia uma estrela brilhante e me disseram: “É para lá que virás conosco; não pertences mais à Terra”. Então lembrei-me; apoiei-me neles e, como um gracioso que se lança para esferas desconhecidas, mas com a certeza de lá encontrar a felicidade... Subimos, subimos, e a estrela crescia: era um mundo feliz, um mundo superior, onde vossa amiga vai, enfim, encontrar o repouso. Quero dizer o repouso em relação às fadigas corporais que suportei e às vicissitudes da vida terrestre, mas não a indolência do Espírito, porque a atividade do Espírito é um prazer.

     - Deixastes definitivamente a Terra?

     - Deixo aqui muitos seres que me são caros para a deixar definitivamente. Aqui voltarei, então, como Espírito, porque tenho missão a cumprir junto aos meus netos. Aliás bem sabeis que nenhum obstáculo se opõe a que os Espíritos que estacionam em mundos superiores à Terra venham visitá-la.

     - A posição em que estais parece dever enfraquecer vossas relações com os que deixastes aqui.

     - Não, meu amigo: o amor aproxima as almas. Crede-me, na Terra pode-se estar mais próximo dos que atingiram a perfeição do que daqueles cuja inferioridade e egoísmo fazem turbilhonar em volta da esfera terrestre. A caridade e o amor são dois motores de poderosa atração. São o laço que cimenta a união das almas ligadas uma a outra e a continua a despeito da distância e dos lugares. Só há distância para os corpos materiais; ela não existe para os Espíritos.

     - Conforme o que dissestes na comunicação precedente sobre os vossos instintos de artista e o desenvolvimento da arte espírita, eu pensava que em nova existência seríeis um dos primeiros intérpretes.

     - Não. É como guia e Espírito protetor que devo dar provas ao mundo da possibilidade de fazer obras-primas na arte espírita. As crianças serão médiuns pintores e, na idade em que só se fazem esboços informes, pintarão, não coisas da Terra, mas coisas dos mundos onde a arte atingiu toda a sua perfeição.

     - Que ideia fazeis agora de meus trabalhos concernentes ao Espiritismo?

     - Acho que tendes encargo de almas e que o fardo é difícil de carregar. Mas vejo o objetivo e sei que o atingireis. Se possível ajudar-vos-ei com meus conselhos de Espírito, para que possais superar as dificuldades que vos serão suscitadas, a propósito induzindo-vos a tomar certas medidas adequadas a ativar, em vida, o movimento renovador ao qual leva o Espiritismo. Vosso amigo Demeure, unido ao Espírito de Verdade, vos prestará um concurso ainda mais útil; ele é mais sábio e mais sério do que eu; mas, como sei que a assistência dos bons Espíritos vos fortifica e sustenta em vosso trabalho, crede que o meu vos será assegurado sempre e em toda parte.

     - Poder-se-ia induzir de algumas de vossas palavras que não dareis uma colaboração pessoal ativa à obra do Espiritismo?

     - Enganai-vos. Mas eu vejo tantos outros Espíritos mais capazes que eu de tratar desta importante questão, que um invencível sentimento de timidez me impede, no momento, de vos responder conforme o vosso desejo. Talvez isto virá; terei mais coragem e esperteza mas antes é preciso que os conheça melhor. Há só quatro dias que estou morta; ainda estou sob o encanto do deslumbramento que me rodeia. Não compreendeis, meu amigo? Não posso suportar experimentar as novas sensações que experimento. Tive que me fazer violência para me arrancar à fascinação que sobre o meu ser exercem as maravilhas que admiro. Não posso senão bendizer e adorar a Deus em suas obras. Mas isto passará: os Espíritos me asseguram que em breve estarei acostumada a todas essas magnificências, e que então poderei, com minha lucidez de Espírito, tratar todas as questões relativas à renovação terrestre. Depois, com tudo isto, pensai sobretudo que tenho uma família a consolar. O entusiasmo invadiu minh’alma, e espero que tenha passado um pouco para vos entreter com o Espiritismo sério, e não com o Espiritismo poético, que não é bom para os homens: estes não o compreenderiam”.

OBS.: Todo Espírita sério e esclarecido facilmente tirará destas comunicações os ensinamentos que delas ressaltam. Assim, só chamaremos a atenção para dois pontos. O primeiro é que este exemplo mostra a possibilidade de não mais se encarnar na Terra e passar daqui a um mundo superior, sem ser por isto separado dos seres afeiçoados que aqui ficam. Aqueles, pois, que temem a reencarnação, por causa das misérias da vida, podem destas se libertar, fazendo o que é preciso, isto é, trabalhando a sua melhora. Tal o que não quer vegetar nas camadas inferiores, deve instruir-se e trabalhar para subir de grau.

     O segundo ponto é a confirmação desta verdade que depois da morte estamos menos separados dos seres que nos são caros do que durante a vida. Há alguns dias apenas, a Sra. Foulon, retida pela idade e pela enfermidade numa cidadezinha do Sul, tinha junto a si apenas uma parte da família; a maioria dos filhos e dos amigos estavam dispersos, ao longe, e obstáculos materiais se opunham a que os pudesse ver tão frequentemente quando uns e outros o teriam desejado. O grande afastamento tornava mesmo a correspondência rara e difícil para alguns. Apenas desembaraçada do pesado envoltório, ligeira, acorre junto a cada um, transpõe as distâncias sem fadiga, com a rapidez da eletricidade, os vê, assiste às reuniões íntimas, cerca-os com a sua proteção e pode, pela via da mediunidade, entreter-se com eles a cada instante, como quando viva. E dizer que a este pensamento consolador há quem prefira uma separação indefinida! (Allan Kardec).   INÍCIO

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